Casa EconomiaEvangélico de esquerda: quem é e como pensa o favorito de Lula para a vaga de Barroso no STF

Evangélico de esquerda: quem é e como pensa o favorito de Lula para a vaga de Barroso no STF

por Igor Mello
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Por Leonardo Fernandes – Do Brasil de Fato

O Advogado-Geral da União (AGU), Jorge Rodrigo Araújo Messias, surge como um dos nomes mais fortes entre cotados para preencher a cadeira vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), deixada pela saída do ministro Luís Roberto Barroso, que decidiu se aposentar antecipadamente.

Messias tem 44 anos e é formado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e possui mestrado e doutorado pela Universidade de Brasília (UnB). Desde 2007 é procurador da Fazenda Nacional.

Antes de assumir a chefia da AGU, em 2023, nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ele ocupou diversos cargos de relevo no governo federal, entre os quais, subchefe para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, durante o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff.

Uma das curiosidades mais notáveis de sua trajetória remonta a essa época, quando, em março de 2016, foi revelada uma interceptação telefônica ilegal em que a então presidenta avisava a Lula que enviaria pelo “Bessias” – Dilma estava gripada – o termo de posse para que o então ex-presidente pudesse assumir um ministério no governo, que enfrentava um golpe parlamentar.

Fator lealdade

Messias é visto por analistas ligados ao governo como o candidato “natural”, sobretudo pela lealdade e pela convivência com o presidente Lula.

Em conversa com o Brasil de Fato, advogado e jurista Marco Aurélio de Carvalho, lembra que embora existam critérios estabelecidos pela Constituição, a indicação é política, portanto, exige que o presidente considere o fator “confiança”.

“A indicação é política, então a lealdade é fundamental. Ao lado dos requisitos constitucionais que são notável saber jurídico e reputação ilibada, é fundamental, indispensável, exigível, [que seja] uma pessoa leal, uma pessoa íntegra, que tem espírito público”, considera o jurista, que integra o Grupo Prerrogativas, formado por advogados, professores e juristas brasileiros.

Nesse sentido, Carvalho considera Messias o mais indicado para ocupar a vaga deixada pelo ministro Barroso. “Nesse momento, acho que a indicação do Messias seria, digamos, um grande acerto. O Messias tem um apoio de todo o entorno do presidente, ministros de Estado, lideranças políticas da base, no meio evangélico, tem apoio dos amigos e ele tem um convívio com o presidente”, avalia o jurista, que é próximo do presidente Lula e um dos conselheiros do mandatário.

Casualmente evangélico

O nome de Messias conta com o apoio de alguns membros da bancada evangélica no Congresso, inclusive de parlamentares que não são da base do governo. O AGU é protestante, membro da Igreja Batista.

Na quinta-feira (16), Lula recebeu Messias no Palácio do Planalto, acompanhado de lideranças evangélicas, entre eles, o bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus de Madureira, e o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP).

Embora reconheça a importância da interlocução de Messias com esse público, majoritariamente dominado pela direita e extrema direita, Carvalho considera que esse não deve ser um critério determinante para a escolha do presidente Lula.

“Nós podemos ter divergências em relação à agenda de costumes, mas uma coisa fundamental, ele é leal, ele é sério, ele é íntegro, ele tem espírito público, só das formações jurídicas e sensibilidade social. Isso é o fundamental. Se ele pensa a mesma coisa que eu penso em relação ao livre arbítrio, a outras coisas, isso é um outro tema, e não tem que ser determinante, na minha opinião, para a escolha do ministro da mais alta corte constitucional do país”, afirma.

Como pensa o favorito de Lula?

Em sua tese de doutorado, defendida em 2024 na UnB, Messias analisa a experiência brasileira recente frente à emergência de riscos globais e a necessidade de novas estratégias estatais para enfrentá-los.

No texto, intitulado O Centro de Governo e a AGU: estratégias de desenvolvimento do Brasil na sociedade de risco global, Jorge Messias discute como o fortalecimento do Estado, em especial por meio da Advocacia-Geral da União, é crucial para lidar com desafios como crises financeiras, pandemias, mudanças climáticas e disputas geopolíticas.

A tese detalha ainda a reestruturação do governo Lula, o Novo PAC, e o papel estratégico da AGU, incluindo a criação de unidades como a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia (PNDD) e a Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente (Pronaclima), no contexto da crescente judicialização da política.

Em um capítulo da tese acadêmica, o AGU faz uma crítica ao “ultraliberalismo”, surgido após a destituição do governo de Dilma Rousseff.

A tese descreve o ultraliberalismo, aprofundado a partir da eleição de Jair Bolsonaro (PL), em 2018, como uma forma de negacionismo dos riscos globais e desestruturação do Estado a partir da autonomia do Banco Central, a redução dos direitos trabalhistas e previdenciários, a desregulação do mercado de trabalho, e o enfraquecimento dos sindicatos.

No texto, Messias ainda critica a política de Teto de Gastos, aprovada em 2016, que segundo sua tese, “desfigurou a Constituição de 1988 ao limitar a variação do gasto público à inflação do ano anterior por 20 anos”.

Judiciário e Operação Lava Jato

Em sua tese acadêmica, o AGU discorre sobre o “empoderamento constitucional” do Judiciário, atribuindo a esse poder “um papel sem precedentes”, concedendo autonomia financeira e administrativa e garantias funcionais aos magistrados.

Segundo Messias, esse empoderamento foi concebido para funcionar como uma barreira contra ímpetos autoritários e para ser um sustentáculo de demandas sociais não processadas pelos outros poderes.

A tese menciona a Operação Lava Jato no contexto de uma série de fatores que levaram ao enfraquecimento das políticas públicas de investimento e à ascensão do ultraliberalismo no Brasil a partir de 2016. O AGU considerou que a Operação Lava Jato contribuiu para criar um ambiente de contestação e deslegitimação do investimento estatal, especialmente no período de 2016 em diante, após a recessão econômica e a crise política.

Segundo Messias, a Operação Lava Jato teria buscado “atestar que qualquer intervenção estatal seria fruto de ações de uma organização criminosa”, contribuindo, dessa forma, para a queda brusca da atividade econômica, decorrente da paralisação de programas de investimento

A tese critica que as investigações da Lava Jato, de forma “superficial e irresponsável”, acabaram por criminalizar a política e a ação do Estado. No entanto, Messias registra que, embora a operação tenha exacerbado a polarização, o STF, em seguida, atuou para estancar os abusos da Lava Jato e reverter decisões injustas de instâncias inferiores, defendendo as instituições democráticas contra ameaças autoritárias que se intensificaram com a chegada de Bolsonaro à presidência.

Em resumo, a tese posiciona a Operação Lava Jato como um evento de grande impacto que desestruturou o desenvolvimento nacional, criminalizou a política e contribuiu para a guinada ultraliberal de 2016.

Messias na AGU

Objeto de ações da própria AGU envolvendo o tema, Messias aborda em sua tese de doutorado o tema das grandes empresas de tecnologia, conhecidas como Big Techs, e discute os riscos e as implicações que essas empresas e a tecnologia digital trouxeram para a sociedade, a economia e a política.

Jorge Messias, ministro da AGU, com o presidente Lula (Crédito: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Em sua visão, a revolução digital, impulsionada por tecnologias como a internet e plataformas digitais, transformou radicalmente a sociedade, mas também gerou novos riscos. A tese classifica os riscos digitais como “uma das manifestações da sociedade de risco global no início do século XXI”.

“A utopia libertária californiana mostrou-se enganosa. Ao invés do pluralismo econômico e político, o resultado final foi: estruturas monopolistas, que não controlam e, por vezes, fomentam as estratégias de desinformação e o discurso de ódio”, escreveu o AGU, que defende a necessidade de uma “regulamentação global” dessas plataformas.

Marco temporal e Terras Indígenas

A AGU representa o governo federal no STF, nas ações que questionam a constitucionalidade da lei 14.701, a Lei do Marco Temporal, que estipula que só poderão ser demarcadas Terras Indígenas (TIs) que estavam ocupando o território na data da promulgação da Constituição de 1988.

Na mesa de conciliação, instaurada pelo relator das ações, o ministro Gilmar Mendes, a AGU tem atuado na busca de um acordo sobre o tema das demarcações de terras. Por outro lado, os indígenas não concordam com a tentativa de conciliação, e pedem que o STF declare a Lei 14.701 inconstitucional, seguindo entendimento firmado pelo próprio Supremo.

Na tese de doutorado apresentada na Universidade de Brasília, Messias aborda a questão ao criticar o desmonte de políticas públicas voltadas para as populações originárias e tradicionais durante o período anterior ao atual governo.

Nesse sentido, o texto destaca o Relatório Final do Gabinete de Transição Governamental, que “deplora as políticas implementadas pelo governo Bolsonaro nas áreas de povos indígenas, afirmando que elas estavam em ‘plena contradição com o fortalecimento da diversidade, dignidade e igualdade’”.

Ainda citando o relatório, Messias afirma que “o avanço de atividades agropecuárias e mineradoras no período operou sob a lógica colonial”, com a violação de direitos das populações tradicionais e grandes acidentes ambientais.

“Atividades agropecuárias e mineradoras passaram a operar, com ainda mais intensidade, na lógica colonial, com a aceleração e/ou intensificação das taxas de desmatamento, do uso de agrotóxicos, da violação de direitos das populações tradicionais, de grandes acidentes ambientais e de desrespeito no encaminhamento de reparações. Essa lógica predadora passou a ser verificada não apenas em áreas de fronteira agrícola, como também em zonas consolidadas do agronegócio e da mineração, que operam sob o controle de modernas empresas capitalistas”, diz a tese, que cita os crimes da mineração ocorridos em Minas Gerais nas cidades de Mariana (2015) e Brumadinho (2019).

Por outro lado, o advogado-geral destaca as ações de “reversão e fortalecimento institucional” a partir de 2023, como a criação do Ministério dos Povos Indígenas, a desintrusão (retirada de invasores) de Terras Indígenas e o anúncio de novas demarcações.

Costumes

Embora seja evangélico, em sua tese de doutorado o ministro da AGU aborda temas como o aborto e os direitos da comunidade LGBT+, no contexto das ameaças autoritárias e dos movimentos identitários. Nesse sentido, destaca as ações do novo governo (Lula) para a segurança pública priorizarão a prevenção, a investigação e o processamento de crimes e violências contra essa população.

A tese destaca a criação, no âmbito da AGU, da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia (PNDD) e destaca os esforços do novo governo na elaboração de políticas que garantam “os direitos, o combate à discriminação e o respeito à cidadania LGBT+ em suas diferentes formas de manifestação e expressão”.

O texto acadêmico cita o compromisso do governo Lula 3 de que “não haverá democracia plena no Brasil enquanto brasileiras e brasileiros continuarem a ser agredidos, moral e fisicamente, ou até mesmo mortos por conta de sua orientação sexual”.

Sobre o direito ao aborto, a tese não apresenta uma discussão detalhada sobre a política pública ou a posição do governo Lula, mas o tema é mencionado no contexto do chamado “ativismo judicial”. O que indica que a posição do ministro deve ser de que o tema seja de atribuição exclusiva do Congresso Nacional.

O que diz a Constituição

A Constituição de 1988 estabelece que os ministros do STF devem ser indicados pelo chefe do Executivo, sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e aprovado por maioria absoluta dos votos dos senadores no plenário.

O indicado deve ser brasileiro nato, ter entre 35 e 75 anos, e possuir “notável saber jurídico” e “reputação ilibada”.

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