Por Cleber Lourenço
A derrubada da Medida Provisória 1303, conhecida como MP do IOF, marcou um divisor de águas na política econômica brasileira e expôs as prioridades do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). A medida, elaborada pelo Ministério da Fazenda, previa a taxação de bancos, casas de apostas e grandes fortunas como forma de equilibrar o orçamento e financiar a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda. O texto buscava corrigir uma distorção histórica: enquanto trabalhadores e pequenos empreendedores pagam impostos sobre quase tudo o que consomem, o topo da pirâmide econômica acumula rendimentos quase intocados.
Mas o esforço do governo federal para criar um sistema tributário mais progressivo encontrou em Tarcísio um obstáculo estratégico. O governador paulista, com trânsito direto em lideranças do Centrão e apoio de setores do mercado financeiro, montou uma operação política discreta e eficiente para derrubar a MP. Deputados relataram que ele ligou pessoalmente para parlamentares indecisos e utilizou interlocutores ligados a bancos e grandes empresas para fortalecer a resistência à proposta. O resultado foi a rejeição da medida no plenário, garantindo um alívio bilionário ao setor financeiro e às plataformas de apostas.
Em São Paulo, enquanto barrava a tributação sobre os super-ricos, Tarcísio avançava em outra direção: a multiplicação dos pedágios e o aumento da cobrança sobre os trabalhadores. Desde o início de sua gestão, o estado já inaugurou mais de 10 novos pontos de pedágio e implantou pórticos eletrônicos em rodovias como a SP-333, a Raposo Tavares (SP-270) e a Tamoios. No litoral, o governo planeja 15 novos pontos de cobrança, o que deve elevar o total de praças e pórticos para 37 até o final de 2025, segundo estimativas da ARTESP. Com isso, São Paulo chegará a mais de 250 praças e pórticos sob concessão, consolidando-se como o estado com a maior densidade de pedágios do Brasil.
Esses números revelam uma política de arrecadação que se apoia diretamente na renda de quem depende das estradas para sobreviver. Um motorista que utiliza diariamente o trecho da SP-333 entre Jaboticabal e Itápolis gasta, em média, R$ 210 por mês apenas com pedágios — sem contar combustível, alimentação ou manutenção do veículo. O sistema free flow, apresentado pelo governo como um avanço tecnológico, aumentou o gasto médio de deslocamento em até 40% em municípios como São Roque e Alumínio. Motoristas relatam que a suposta praticidade do sistema serve apenas para pulverizar o pagamento em pequenos trechos, dando a falsa sensação de tarifa mais barata.
No litoral, as críticas são ainda mais duras. O novo pacote de concessões prevê 15 pórticos eletrônicos nas rodovias SP-055, SP-088 e SP-098, que conectam Peruíbe, Bertioga, Santos e Mogi das Cruzes. Associações comerciais e sindicatos de trabalhadores alertam para o impacto econômico: o aumento do custo logístico ameaça encarecer produtos, reduzir o turismo e prejudicar os trabalhadores que se deslocam diariamente entre as cidades. Prefeitos da região têm pressionado o governo estadual por isenções locais, mas até agora sem sucesso.
Especialistas em infraestrutura e mobilidade apontam que o modelo de concessão adotado por Tarcísio carece de transparência. Os cálculos de tarifa, as projeções de tráfego e as regras de reajuste não foram amplamente debatidos com a sociedade civil. Além disso, os contratos preveem aumento automático vinculado à inflação, sem considerar a renda real da população. O resultado é um sistema em que o custo do transporte cresce enquanto os serviços públicos permanecem os mesmos.
Sóstenes Cavalcante, líder do PL na Câmara (Foto Lula Marques/ Agência Brasil)
Sóstenes confirmou protagonismo de Tarcísio
Em Brasília, Tarcísio colheu os frutos políticos de sua articulação. Durante a sessão que rejeitou a MP do IOF, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) agradeceu publicamente o governador, exaltando sua habilidade em costurar acordos com presidentes de partidos de centro. “Tarcísio, receba o nosso reconhecimento e gratidão. Você tem sido um gigante no diálogo com os líderes do Congresso”, afirmou o parlamentar. A fala, reproduzida em plenário, confirmou o protagonismo do governador na operação que livrou bancos e bilionários da nova taxação.
O governo federal, por sua vez, avaliou a derrota como um ataque direto à política de redistribuição de renda. O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, afirmou que “o que se derrubou não foi apenas uma MP, foi a chance de o país começar a tributar o que realmente precisa ser tributado”. Para Randolfe, Tarcísio “prestou um serviço aos muito ricos”, ao impedir que o Estado cobrasse de quem mais tem para aliviar quem mais precisa.
A Fazenda estima que, com a queda da MP, o governo deixará de arrecadar bilhões de reais por ano, o que pode comprometer a manutenção da políticas públicas e programas sociais. Sem a compensação gerada pela tributação de fortunas e apostas, o Planalto terá de recorrer a cortes em renúncias fiscais e emendas parlamentares — ou, inevitavelmente, repassar o custo para o consumo e os serviços públicos.
Em São Paulo, a contradição de Tarcísio se materializa a cada novo pórtico instalado. O discurso de modernização e eficiência contrasta com o aumento do custo de vida da população. Caminhoneiros, motoristas de aplicativo e trabalhadores que cruzam diariamente as rodovias afirmam que o sistema virou uma “máquina de arrecadar”. Para eles, a modernização prometida é apenas uma fachada para a transferência da carga tributária dos bilionários para quem vive do próprio trabalho.
A equação política e econômica construída por Tarcísio é clara: livrar os mais ricos da tributação federal e cobrar cada vez mais dos que não podem escapar dos pedágios estaduais. Sob o argumento da responsabilidade fiscal, o governador criou um modelo de Estado que serve à elite econômica enquanto transforma as estradas em fonte permanente de receita. Em menos de três anos, o que se vê é um São Paulo mais caro, mais privatizado e mais desigual — o retrato fiel da escolha de quem Tarcísio decidiu proteger.