A Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) aprovou, nesta quinta-feira (23), por ampla maioria, a renúncia do convênio com a Universidade de Haifa (Israel). A proposta foi aprovada por 46 votos favoráveis, 4 contrários e 4 abstenções, em uma das deliberações mais expressivas da história recente da unidade.
Com a decisão, a FFLCH torna-se a primeira unidade da USP a romper oficialmente um acordo com uma instituição israelense. A medida será encaminhada ao Conselho Universitário da USP com a recomendação de que o rompimento se estenda a todos os convênios da universidade com instituições israelenses envolvidas em políticas de apartheid e ocupação.
O relatório que embasou a deliberação aponta o envolvimento da Universidade de Haifa em programas militares e de segurança do Estado de Israel, além de denunciar o chamado “escolasticídio” — termo usado por pesquisadores e organismos internacionais para descrever a destruição sistemática das universidades e escolas palestinas em Gaza.
De acordo com dados da ONU, todas as universidades da Faixa de Gaza foram destruídas ou gravemente danificadas, e milhares de estudantes e professores foram mortos desde o início da ofensiva israelense.
“Foi uma vitória da ética sobre a omissão”, afirmou João Conceição, representante discente da Comissão de Cooperação Internacional da FFLCH, integrante do Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino (ESPP-USP) e militante do PSTU.
“A universidade pública brasileira não pode ser cúmplice de quem transforma o conhecimento em instrumento de guerra. Hoje, a FFLCH deu um passo histórico, e a USP deve seguir o mesmo caminho”, completou.
Durante o debate, integrantes da Congregação refutaram o argumento de que a decisão limitaria a liberdade acadêmica. O relatório aprovado reforça que o boicote é institucional, e não individual — ou seja, busca suspender relações com entidades que participam de políticas de repressão, sem impedir o diálogo entre pesquisadores.
“A universidade não pode se esconder atrás da neutralidade enquanto o conhecimento é usado para destruir vidas”, declarou Maria Clara Araújo, diretora do CAELL (Centro Acadêmico de Letras) e do DCE Livre da USP, militante do coletivo Rebeldia.
“Romper com Haifa é proteger o verdadeiro sentido da universidade: um espaço de pensamento livre e de defesa da dignidade humana.”
O documento também citou o sequestro dos trabalhadores da USP, Magno Carvalho e Bruno Gilga, por forças israelenses em águas internacionais, durante a missão humanitária Global Sumud Flotilla. Para os representantes discentes, o episódio simboliza que o conflito deixou de ser distante.
“Quando funcionários da USP são sequestrados, o silêncio institucional se torna cumplicidade”, afirmou Conceição.
USP e outras universidades
A decisão da FFLCH segue precedentes recentes de outras universidades brasileiras — como Unicamp, UFF e UFC — que também romperam convênios com instituições israelenses em 2025.
A medida se soma a uma tendência internacional, com iniciativas semelhantes em universidades da Noruega, Estados Unidos e Países Baixos.
Assim como no boicote acadêmico ao regime de apartheid na África do Sul, reconhecido pela ONU como ato legítimo de resistência ética, o rompimento é defendido como um gesto de responsabilidade social.
“O que a FFLCH fez hoje foi dizer, com todas as letras, que a neutralidade diante do genocídio é impossível. A universidade tem que escolher entre o silêncio e a vida. Escolhemos a vida”, concluiu Maria Clara.