Dois anos após o ataque do Hamas que desencadeou a guerra mais devastadora do século entre israelenses e palestinos, a Faixa de Gaza é hoje um território em colapso causado por Israel. Entre escombros e fome, milhões de civis vivem em condições extremas enquanto Israel e Hamas voltam a conversar, sob mediação dos Estados Unidos e do Egito, para tentar encerrar um conflito que deixou marcas profundas em toda a região.
As negociações foram retomadas nesta segunda-feira (6), em Sharm el-Sheikh, no Egito, com a presença de representantes do Hamas, de Israel e de mediadores do Catar, Egito e EUA. O presidente americano Donald Trump, que lidera a pressão diplomática, afirmou estar “otimista” e garantiu que o plano proposto por Washington representa “um ótimo negócio” para ambos os lados. Apesar do avanço, bombardeios israelenses voltaram a atingir Gaza no fim de semana, deixando dezenas de mortos.
Segundo o Ministério da Saúde do território palestino, o conflito já provocou a morte de mais de 67 mil palestinos e o desaparecimento de cerca de 9,5 mil pessoas. O Hamas respondeu de forma parcial ao plano americano, aceitando três dos vinte pontos propostos: libertação imediata de reféns, transferência do poder em Gaza para um governo tecnocrático e retirada gradual das tropas israelenses. Israel aceitou o texto integral, mas insiste na exigência do desarmamento total do Hamas.
As conversas no Egito começaram às 7h (horário de Brasília), com uma nova rodada iniciada às 10h, após a chegada da delegação israelense. O grupo do Hamas inclui líderes que sobreviveram ao bombardeio em Doha, em setembro. Segundo fontes diplomáticas, os EUA alertaram que uma negativa do grupo em assinar o acordo poderia resultar em sua “obliteração” militar.
Crianças fazem fila por comida em Gaza, que sofre com bloqueios impostos a força por Israel (Foto: ANSA)
Linha do tempo do conflito Israel–Hamas (2023–2025)
7 de outubro de 2023 — Ataque do Hamas e início da guerra
O Hamas lança uma ofensiva surpresa contra o sul de Israel, por terra, ar e mar. Combatentes invadem comunidades israelenses, bases militares e um festival de música. O ataque deixa cerca de 1.200 mortos e 250 pessoas sequestradas. Israel declara guerra e inicia a operação “Espadas de Ferro”.
9 de outubro de 2023 — Bloqueio total à Faixa de Gaza
O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, ordena um “cerco completo” ao território palestino, cortando o fornecimento de água, eletricidade, alimentos e combustível.
Outubro–novembro de 2023 — Bombardeios e invasão terrestre
Israel intensifica ataques aéreos e inicia uma invasão por terra no norte de Gaza, com o objetivo de destruir o Hamas e resgatar reféns. Hospitais, escolas e campos de refugiados são atingidos, provocando milhares de mortes civis.
Novembro de 2023 — Primeira trégua e troca de reféns
Após mediação do Catar e do Egito, é firmado um cessar-fogo de sete dias. O Hamas liberta mais de 100 reféns (em sua maioria mulheres e crianças) e Israel solta cerca de 240 prisioneiros palestinos.
Dezembro de 2023 — Ofensiva no sul de Gaza
Com o fim da trégua, Israel amplia sua ofensiva para o sul do território, incluindo a cidade de Khan Younis, que abrigava milhares de deslocados. A crise humanitária se agrava rapidamente.
Início de 2024 — Escalada regional e foco em Khan Younis
Os combates se concentram em Khan Younis. Paralelamente, crescem as tensões nas fronteiras com o Líbano (devido a confrontos com o Hezbollah) e no Mar Vermelho, com ataques de grupos houthis do Iêmen contra embarcações ligadas a Israel.
Março–abril de 2024 — Negociações frustradas e retirada parcial
Várias rodadas de negociações para cessar-fogo e libertação de reféns fracassam. Israel anuncia retirada parcial de tropas de Khan Younis, alegando ter concluído a missão militar naquela região.
Maio de 2024 — Invasão de Rafah
Israel lança uma ofensiva sobre Rafah, no extremo sul de Gaza, apesar dos apelos internacionais. A cidade abrigava mais de um milhão de deslocados, e os ataques intensificam a catástrofe humanitária.
Julho–setembro de 2024 — Novos ataques e tensão crescente
Israel continua realizando ataques aéreos em Gaza e no Líbano, visando líderes do Hamas e do Hezbollah. O G7 e a ONU alertam para o colapso humanitário em Gaza.
Setembro de 2024 — Bombardeios e morte de Ismail Haniyeh
Ataques aéreos atribuídos a Israel matam o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã, e o comandante militar do Hezbollah, Fuad Shukr, no Líbano. O episódio eleva o risco de uma guerra regional.
Janeiro–setembro de 2025 — Impasse e agravamento da crise humanitária
As negociações de cessar-fogo seguem travadas. Israel mantém operações em Gaza, enquanto a fome, o colapso hospitalar e o deslocamento em massa atingem níveis sem precedentes.
Outubro de 2025 — Pressão internacional e plano de paz de Trump
Sob forte pressão global, o presidente dos EUA, Donald Trump, apresenta um plano de paz. O Hamas aceita parcialmente a proposta — incluindo a libertação de reféns e a transferência do poder em Gaza para um governo civil —, mas rejeita o desarmamento completo. Israel aprova o plano integralmente.
6 de outubro de 2025 — Negociações no Egito
Representantes de Israel, Hamas, Catar, Egito e EUA se reúnem em Sharm el-Sheikh para discutir os detalhes do cessar-fogo e a reconstrução de Gaza. Bombardeios, porém, continuam atingindo o território palestino, e o acordo final ainda parece distante.
Fumaça após um ataque israelense no norte de Gaza em 22 de novembro de 2023 (Foto: John Macdougall / AFP)
Crise humanitária sem precedentes causadas por Israel
Enquanto as conversas diplomáticas prosseguem, Gaza vive uma catástrofe humanitária sem precedentes. A agência Ansa descreve a Cidade de Gaza como “um deserto de escombros”, onde dois milhões de deslocados se concentram no sul do território, em abrigos improvisados. A entrada de ajuda humanitária enfrenta grandes barreiras logísticas e militares. O Unicef estima que a fome já causou pelo menos 460 mortes, sendo 150 de crianças.
Os números da tragédia são devastadores e sem justificativa: 170 mil feridos, entre eles 4,8 mil amputados e 1,2 mil pessoas com paralisia total; 2,7 mil famílias inteiramente dizimadas; e mais de 12 mil abortos espontâneos atribuídos à desnutrição e à falta de atendimento médico. Segundo o Hamas, 90% das construções foram destruídas ou danificadas, incluindo 38 hospitais e 95% das escolas. Mais de 200 jornalistas palestinos morreram, enquanto Israel mantém o bloqueio à entrada de repórteres estrangeiros.
Apesar da devastação, a causa palestina ganhou novo fôlego diplomático nos últimos meses, com diversos países reconhecendo oficialmente o Estado da Palestina. Tentativas como a Coalizão Flotilha da Liberdade, que tentou romper o bloqueio marítimo para levar alimentos e remédios, simbolizam o esforço de solidariedade global — embora os navios tenham sido interceptados por Israel e seus tripulantes, deportados.
Com a população exausta e faminta, a expectativa é que as negociações no Egito possam, pela primeira vez em dois anos, abrir caminho para um cessar-fogo duradouro. Por ora, porém, a paz ainda parece tão distante quanto a reconstrução de Gaza.