Casa EconomiaDeputada cobra Executivo sobre o envio do Projeto de Negociação Coletiva no serviço público

Deputada cobra Executivo sobre o envio do Projeto de Negociação Coletiva no serviço público

por Jorge Mizael
0 comentários
deputada-cobra-executivo-sobre-o-envio-do-projeto-de-negociacao-coletiva-no-servico-publico

Em março de 2025, o Secretário de Relações de Trabalho do MGI, José Lopez Feijóo, afirmou que o texto da regulamentação da negociação coletiva dos servidores estava “em fase final de ajustes na Casa Civil”. Passaram-se meses e, até aqui, a Câmara dos Deputados não recebeu nenhum projeto de lei do Executivo sobre o tema. A fotografia deste impasse ganhou contornos recentes com o Requerimento de Informação (RIC) 6482/2025, de autoria da deputada Fernanda Melchionna (PSOL/RS), que cobra da Casa Civil respostas objetivas: recebeu o anteprojeto do GTI previsto no Decreto nº 11.669/2023? O prazo de 120 dias fixado no art. 7º foi cumprido? Houve pareceres adicionais? Qual é o cronograma de envio ao Congresso?

Antes de medir responsabilidades, é preciso situar o que está em jogo. Em 2010, o Brasil ratificou a Convenção nº 151 e a Recomendação nº 159 da OIT; em 2013, foram promulgadas. No papel, o Estado reconheceu o direito de negociação coletiva na administração pública, com diretrizes de proteção à organização sindical, canais de solução de conflitos e obrigação de boa-fé. Na prática, a ausência de lei federal específica vem travando a sua efetivação ampla, deixando a dinâmica de mesas setoriais fragmentada e insegura. Em 2017, o Congresso aprovou o PL 3831/2015, mas o texto foi integralmente vetado pelo então Presidente, Michel Temer, sob alegação de vício de iniciativa e inconstitucionalidade formal. De lá para cá, nenhuma proposição originada do Executivo no Parlamento — até a reativação da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) e a instituição, pelo Decreto nº 11.669/2023, de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), com coordenação do MGI, para finalmente produzir um anteprojeto.

O decreto prometeu simplicidade: organizar esforços, articular ministérios e, em 120 dias, entregar um texto. A Casa Civil, por sua vez, assumiria o papel de central técnica e política: consolidar minutas, colher assinaturas ministeriais, calibrar impactos financeiros e constitucionais, e encaminhar ao Presidente para envio ao Congresso. Não é pouca coisa — mas é exatamente o trabalho para o qual a Casa Civil existe.

Se o mapa institucional é claro, os custos da demora também o são. No plano jurídico, manter por tantos anos um direito internacionalmente reconhecido sem moldura infraconstitucional adequada pressiona o Estado brasileiro nas instâncias da OIT. Sem parâmetros mínimos sobre representatividade, escopo e procedimentos, as mesas locais operam em terreno movediço. A memória do Veto 44 de 2017 pesa: qualquer novo projeto precisa blindar-se de vícios de iniciativa e de falhas formais, sob pena de reencenar o mesmo desfecho. Some-se a isso o risco de judicialização, em que conflitos que deveriam ser resolvidos por desenho institucional de negociação acabam chegando ao Judiciário.

No plano político, a mensagem é ruidosa. O governo reativou a MNNP, criou um GTI, fez gestos públicos de valorização do diálogo e, ainda assim, não entregou um texto ao Congresso no tempo prometido. Quanto mais o relógio corre, maior o desgaste com bases sindicais, maior o custo reputacional de governança e mais frágil a posição do país em fóruns internacionais que observam implementação. A própria dinâmica entre Executivo e Legislativo se ressente: faltando um projeto do governo, proliferam iniciativas parlamentares descoordenadas ou simbólicas, que não resolvem o vazio normativo.

Operacionalmente, a inércia tem efeitos concretos na gestão cotidiana. Sem balizas de lei, os acordos se dispersam e variam em qualidade e segurança jurídica; faltam diretrizes sobre quem representa quem, como se homologam resultados, como se registram compromissos e que instâncias arbitram impasses. Mesmo temas consensuais, como transparência de dados, calendário mínimo de reuniões, protocolos de mediação, ficam à mercê da boa vontade de cada mesa. É o tipo de heterogeneidade que não protege ninguém: nem o servidor que negocia, nem a administração que precisa executar.

Dito isso, há saídas práticas e contranarrativas plausíveis que ajudam a destravar. A primeira é abandonar a fantasia do “projeto perfeito” e trabalhar com um trilho normativo progressivo. Uma lei-quadro pode fixar princípios, direitos procedimentais e arquitetura mínima de representação; dispositivos mais granulares, como cadastros de entidades, ritos de mediação e mecanismos de monitoramento, podem ficar para regulamentações infralegais, com consulta pública e revisão periódica. Esse arranjo reduz o risco de travamento por detalhes e permite aprendizagem institucional.

A segunda é tratar a coordenação política como parte do mérito e não como etapa posterior. Um cronograma público de consulta interministerial, com etapas e prazos, reduz opacidade e expectativa difusa. A colheita de assinaturas ministeriais precisa de janela realista, com pactuação prévia sobre impacto fiscal e limites de negociação em carreiras sensíveis. É preferível admitir um prazo de 60–90 dias bem administrado do que reproduzir promessas de 120 dias que caducam no silêncio.

A terceira é blindar juridicamente o texto com uma análise ex ante rigorosa de constitucionalidade formal e de iniciativa. A jurisprudência brasileira em temas de servidores e regime jurídico é zelosa quanto à origem dos projetos e sua aderência à Constituição. Uma matriz de riscos, que aprenda com o veto de 2017, deve orientar a redação de dispositivos críticos: a quem cabe instaurar negociação; quais matérias são negociáveis; como se relacionam acordos com planos de carreira, concursos e limites orçamentários; que mecanismos de solução de controvérsia são admissíveis sem invadir competência de outros Poderes. Esse desenho evita tanto o maximalismo (que promete o que a Constituição não comporta) quanto o minimalismo (que entrega uma lei inócua).

A Casa Civil também pode, e deveria, comunicar o que já foi feito. Se recebeu formalmente o texto do GTI, publique o protocolo. Se solicitou pareceres a outros órgãos, informe quais, quando e com quais principais conclusões. Transparência sobre o processo não substitui a entrega do projeto, mas acalma a arena pública, desarma suspeitas e qualifica o debate. Em um governo de frente ampla e multisetorial, o silêncio tende a ser preenchido por ruído.

Comparações internacionais ajudam a calibrar a ambição. Países como Portugal e Espanha operam com leis-quadro que estabelecem direitos procedimentais e reconhecem a negociação no setor público, combinando, depois, instrumentos infralegais que detalham procedimentos por setores. Não se trata de copiar modelos, mas de aprender que o caminho institucional muitas vezes é incremental: fixa-se a espinha dorsal em lei e deixa-se que a musculatura regulatória se ajuste com o tempo. Para o Brasil, cujo sistema federativo adiciona camadas de complexidade, cláusulas de escalonamento, que respeitem competências da União e dos entes, podem conferir tração sem colidir com a autonomia local.

No fim, a cobrança formal do RIC 6482/2025 é um diagnóstico incômodo sobre um déficit de execução de agenda prometida pelo próprio governo no Decreto nº 11.669/2023. Se o texto está “em fase final” desde março de 2025, por que não chegou ao Congresso? Se o prazo de 120 dias venceu, o que explica a extensão? Há mudanças substantivas em curso? A Casa Civil considera fracionar a pauta — por exemplo, enviar uma lei-quadro inicialmente e deixar o detalhamento para decreto? Quais são as divergências reais e quem as patrocina?

Enquanto o anteprojeto não nasce, o país mantém um compromisso internacional parcialmente cumprido e paga um custo de reputação e de eficiência. O Executivo perde autoridade para cobrar celeridade do Legislativo em outras agendas; o servidor público segue negociando no escuro e a sociedade, que depende de serviços públicos funcionando com previsibilidade, paga a conta em incerteza.

Não há mistério: tecnicamente, há insumos, precedentes e caminhos. Politicamente, há escolhas. Se a negociação coletiva no serviço público é prioridade, como o governo tem dito, ela precisa ganhar calendário, protocolo e autoria. Em governar, prazos são também políticas públicas.

A pergunta, então, é menos sobre “quando” e mais sobre “quem assina por ela” e em que data. Ou, para colocar nos termos do próprio decreto, qual é o dia em que a Casa Civil levará o texto ao Presidente para, enfim, o Congresso e a sociedade discutirem o mérito?

Sem uma resposta clara, o risco é transformar a Convenção 151 em um compromisso permanente de intenção, não de implementação.

você pode gostar