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Dois relatórios divulgados na semana passada reforçaram um diagnóstico incômodo para a economia dos Estados Unidos: a possibilidade real de estagflação — cenário em que a inflação persiste mesmo com o crescimento econômico fraco ou estagnado.
Em agosto, o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) subiu 0,4%, elevando a taxa anualizada para 2,9%, a mais alta desde janeiro. Ao mesmo tempo, os pedidos de seguro-desemprego atingiram o maior patamar em quatro anos, sinalizando fragilidade no mercado de trabalho.
Na prática, a estagflação — união das palavras estagnação e inflação — acontece quando os preços estão em alta constantemente, aliada ao aumento do desemprego, e não há um progresso do PIB (Produto Interno Bruto), que são os conjuntos de bens e serviços produzidos pelo país.
O descompasso entre inflação e desemprego desafia as ferramentas tradicionais de política monetária. “O indício de estagflação está ficando mais forte”, alertou Jason Furman, economista de Harvard, nas redes sociais. Segundo ele, o Federal Reserve enfrenta um dilema: não há política que consiga, simultaneamente, frear a inflação e estimular o emprego sem efeitos colaterais.
Em agosto, o presidente do Fed, Jerome Powell, deixou a porta aberta para um corte de juros na próxima reunião da instituição, na semana que vem, provocando euforia em Wall Street, forte queda do dólar no mundo e no Brasil e alta de mais de 2% na Bolsa de São Paulo.
No aguardado pronunciamento anual no tradicional simpósio de Jackson Hole, Powell afirmou que o cenário atual da economia americana, com a política monetária em território restritivo, e “a mudança no balanço de riscos podem justificar um ajuste”. Lembrando que a taxa de inflação perseguida pelo Fed é de 2% ao ano.
Tarifaço de Trump pode explica cenário de estagflação
Parte da explicação para o cenário de estagflação pode estar na própria política econômica adotada pelo governo de Donald Trump.
Tarifas sobre importações, apelidadas de “Dia da Libertação”, representaram uma guinada protecionista que, segundo o Prêmio Nobel Paul Krugman, retrocede quase um século de liberalização comercial.
“Desde abril, quando anunciou as tarifas apelidadas de ‘Dia da Libertação’, Trump reverteu nove décadas de liberalização gradual do comércio e impôs alíquotas equivalentes às da Lei Smoot-Hawley, de 1930”, escreveu o economista em agosto.
“Com importações hoje três vezes maiores que naquela época, o impacto sobre preços é potencialmente mais severo”, explicou.
Além disso, a repressão à imigração vem afetando a oferta de mão de obra em setores como construção e agricultura, elevando custos operacionais e pressionando os preços.
Com uma reunião decisiva do Fed marcada para a próxima semana, o mercado aguarda por um provável corte nos juros. Mas a dúvida persiste sobre a profundidade da medida e se ela será suficiente para lidar com o cenário atual — especialmente diante da pressão política crescente por cortes mais agressivos.
Nas palavras de Krugman, “a inflação está chegando, enquanto a estagnação já chegou. Portanto, é estagflação que temos”.