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Cota parlamentar de vereadores banca marketing e Hilux em cidades pequenas

por Felipe Rabioglio
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Por André Fleury Moraes

(Folhapress) – A criação das cotas parlamentares avança nas Câmaras Municipais e custeia hoje despesas de vereadores mesmo em cidades pequenas, onde o número de habitantes não chega a 20 mil. Especialistas ouvidos pela reportagem dizem que o atual modelo é frágil, tem brechas a irregularidades e que a existência das cotas em municípios de pequeno porte é discutível.

De cunho indenizatório, a verba deve ser utilizada em despesas relacionadas ao mandato, como aquisição de combustíveis. Mas não há norma geral que discipline quais são os itens passíveis de ressarcimento ou as regras de reembolso, decisão que cabe às próprias Câmaras.

No interior do Piauí, por exemplo, cada um dos nove vereadores da Câmara de Baixa Grande do Ribeiro, cidade com pouco mais de 13 mil habitantes, recebe R$ 10,4 mil mensais e tem direito a até R$ 7.200 em reembolsos. A legislação que instituiu o benefício foi aprovada em outubro do ano passado.

Sala comercial alugada por vereador em Baixa Grande do Ribeiro ao custo de R$ 2.000; Câmara diz que atual prédio não tem gabinetes suficientes (Foto: Câmara Municipal de Baixa Grande do Ribeiro)

A Câmara se reúne uma vez por mês e possui desde abril deste ano quatro caminhonetes oficiais, todas locadas, o que não impediu que o Legislativo devolvesse desde então R$ 30,6 mil a cinco vereadores que apresentaram notas apontando o aluguel de veículos.

Do mês da assinatura até agosto, foram seis Toyota Hilux locadas, cinco Fiat Toro, quatro Mitsubishi Triton e duas Chevrolet S-10.

Por meio de seu diretor jurídico, a Câmara disse à reportagem que “apenas subsídios não custeiam despesas do mandato” e que a cidade tem comunidades distantes até 250 quilômetros da sede, onde estão prefeitura e Câmara, razão pela qual não pode ser considerada de pequeno porte.

Uso ilegal

Além dos veículos, dois vereadores já utilizaram a cota parlamentar também para alugar imóveis como gabinetes. O Legislativo afirmou que o atual prédio não tem salas individuais, que mantém uma licitação para ampliá-lo e que o uso da verba a essa finalidade será vedado após a obra.

Vereador na cidade piauiense, Genivaldo Batista (PT) paga R$ 3.000 a uma empresa de marketing para alimentar suas redes sociais e comprovou a despesa de junho deste ano com uma foto de seu perfil no Instagram, onde publicou pela última vez em dezembro do ano passado.

Na prestação de contas de junho, ele atesta o serviço prestado, que inclui fotografia, vídeo e gestão de mídia social, com o perfil de seu Instagram.

A última publicação da rede social que consta da documentação foi feita em dezembro do ano passado. A reportagem encaminhou no fim de setembro mensagens ao perfil indicado na prestação de contas, mas não obteve retorno. O diretor jurídico da Câmara disse não ter conhecimento do caso.

Em Mato Grosso, a Procuradoria-Geral de Justiça chegou a contestar uma lei de Alto Garças, cidade com 13,9 mil habitantes, que havia instituído cota parlamentar equivalente ao salário dos vereadores. A ação citava precedentes do TJ-MT (Tribunal de Justiça de Mato Grosso) que limitavam o benefício a 60% dos salários, hoje fixados em R$ 9.400.

Antes que a ação fosse julgada, porém, a Câmara mudou a legislação e reduziu o valor da verba indenizatória ao percentual citado na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade). A Justiça arquivou o caso.

Um dos dispositivos da lei que permanece vigente após a mudança dispensa de maneira expressa a comprovação dos gastos.

Citando uma resolução do Tribunal de Contas de Mato Grosso, o texto condiciona o reembolso “à apresentação de relatório simplificado informando as atividades desempenhadas no período de 30 dias, ficando dispensada a apresentação de comprovantes de despesas”.

A Folha procurou por email a Câmara de Alto Garça após tentativas malsucedidas de contato por telefone. A Casa respondeu dizendo ter repassado a demanda à Ouvidoria e que o prazo para resposta seria de até dez dias úteis. A reportagem voltou a entrar em contatro na segunda-feira (20), mas o Legislativo não se manifestou.

A cota parlamentar custeia despesas de vereadores em cidades ainda menores, como Bodó (RN). Com 2.360 habitantes, vereadores têm direito a reembolsos mensais de até 50% dos R$ 6.600 que recebem. A Câmara de Bodó parou de responder às mensagens quando a reportagem se identificou, recusou uma ligação e não atendeu outra.

Cota em municípios

Outros municípios com menos de 20 mil habitantes também possuem o instrumento regulamentado, como Lagoa Nova (RN) e Messias (AL), que bancam até R$ 4.200 e R$ 9.800 em despesas mensais por vereador, respectivamente. Procurados em setembro, eles não comentaram.

Doutor em administração pública e professor na FGV-SP, Rafael Viegas diz que o instituto das cotas em cidades pequenas na prática dribla a regra constitucional que limita o subsídio de vereadores pelo número de habitantes das cidades onde são eleitos.

“A necessidade desse tipo de verba em cidades de pequeno porte é muito discutível. Quando o subsídio já garante remuneração elevada, o benefício tende a ser percebido mais como ampliação de privilégio do que como mecanismo de apoio ao mandato”, afirma.

Segundo ele, há Câmaras que não dispõem de sistemas de transparência ativos e de controles internos para fiscalizar despesas do gênero, dificuldade se estende a órgãos de controle externo. “Além da sobrecarga dos Tribunais de Contas, há desafios de padronização dos critérios. Muitas vezes a verificação é formal, mas não chega a aferir efetividade ou pertinência dos gastos”.

Avaliação semelhante faz o advogado Júlio Hidalgo, mestre em direito constitucional pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), para quem deveria haver uma lei geral que disciplinasse o uso das cotas.

Ele diz também que a criação das verbas é um efeito cascata de outros ambientes legislativos. “Senadores têm, deputados federais têm e estaduais, também. É natural que os vereadores também queiram”, afirma.

A minuta da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma administrativa menciona as cotas parlamentares. Pelo texto, os valores do instrumento nas Câmaras Municipais não poderão, somados, exceder o limite global individual vigente na respectiva Assembleia Legislativa.

Também obriga os Legislativos a divulgar as despesas individualizadas por vereador.

Na Câmara dos Deputados, por exemplo, o valor das cotas parlamentares varia entre os estados dos mandatários, mas pode chegar a R$ 51 mil –valor mensal reservado a deputados de Roraima. Aos de São Paulo, o montante equivale a R$ 42.837,33.

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