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Quando a pauta encolhe ao tamanho de um homem
A recente condenação dos primeiros réus pelos atos de 8 de janeiro, com penas que chegam a 27 anos de prisão, marca um divisor de águas no cenário político brasileiro. Pela primeira vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) aplicou punições severas por tentativa de golpe de Estado, deixando claro que ataques à democracia terão consequências. Essa decisão, no entanto, também expôs uma mudança de rota na oposição: sem um projeto nacional consistente, ela se reorganiza não em torno de ideias, mas da tentativa de sobrevivência política de Jair Bolsonaro.
A pauta encolheu ao tamanho de um homem. Em vez de apresentar alternativas ao país, partidos oposicionistas se dedicam a salvar o ex-presidente e seus aliados da responsabilização judicial. Essa estratégia pode parecer uma demonstração de força, mas revela justamente o oposto: fragilidade. Ao apostar todas as fichas na anistia como agenda central, a oposição congela sua capacidade de formulação e antecipa o debate de 2026 sem ter propostas estruturantes para oferecer.
A condenação que virou divisor de águas
A decisão do STF que condenou os primeiros envolvidos nos atos de 8 de janeiro foi um divisor de águas jurídico, político e eleitoral. As penas, que variam entre 16 e 27 anos de prisão, foram aplicadas por crimes como tentativa de golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio público e associação criminosa armada. Ao enquadrar os atos como atentado direto à ordem constitucional, o Supremo sinalizou que não haverá complacência com ofensivas à democracia. Essa jurisprudência abre caminho para responsabilizações em cadeia, alcançando financiadores, articuladores e autoridades que, direta ou indiretamente, possam ter incentivado os ataques. É um marco que redefine os limites da impunidade política no país.
O impacto político dessas condenações atinge diretamente o núcleo bolsonarista. Se antes a estratégia era postergar julgamentos e questionar a legitimidade do STF, agora a pressão se volta para parlamentares da oposição, que se veem compelidos a reagir para manter a coesão de sua base. Cada nova sentença aproxima juridicamente os investigados do entorno de Jair Bolsonaro e eleva os riscos de perda de direitos políticos, inclusive para figuras ainda com mandatos ativos. Para muitos desses, a anistia tornou-se questão de sobrevivência.
Anistia como salvação e armadilha
A anistia tornou-se o último elo de coesão para a oposição. Essa bandeira virou um pacto de sobrevivência. Contudo, trata-se de uma agenda restrita, voltada à autoproteção de lideranças políticas e não de um projeto para o país. A energia que poderia estar direcionada à formulação de políticas públicas, planos de desenvolvimento e debates sobre o futuro nacional está sendo canalizada para blindar figuras específicas. O resultado é um campo oposicionista fechado em torno de si, sem propostas e cada vez mais incapaz de dialogar com os problemas concretos da sociedade.
Essa dependência da anistia é também uma armadilha política. Ao concentrar seus esforços em salvar Bolsonaro e os financiadores dos atos de 8 de janeiro, a oposição deixa de disputar a agenda pública com o campo progressista. Em vez de disputar ideias e projetos, os opositores travam o debate nacional em torno de um passado que tentam reescrever. Ao fazer da anistia sua única plataforma, a oposição abdica de oferecer futuro — e entrega o presente ao adversário político.
Um 2026 antecipado: os riscos de subordinar o futuro ao passado
A insistência da oposição na anistia projeta o debate de 2026 antes mesmo que ele comece. Com todo o capital político investido na tentativa de salvar Bolsonaro e seus aliados, inexiste espaço para pensar um programa nacional alternativo. O tempo gasto defendendo o passado impede a construção de propostas para o futuro — seja na economia, na educação, na segurança ou na política externa. Essa antecipação artificial da disputa presidencial desgasta a própria oposição, que aparece menos como força propositiva e mais como uma trincheira defensiva, incapaz de dialogar com o eleitorado que espera soluções para os desafios do país.
Além disso, a dependência de Bolsonaro como fiador eleitoral gera dilemas internos corrosivos. Todos os potenciais candidatos da oposição querem sua bênção, mas temem o preço de submeter-se à sua tutela — o que inclui endossar a anistia. Caso ela não seja aprovada, esse cálculo se tornará um fardo: os parlamentares terão exposto seu alinhamento a uma causa impopular e improdutiva, sem colher benefícios concretos. Isso ameaça transformar a oposição em um grupo que briga por herdar um espólio político, e não por conquistar o futuro.
Encurralados: entre o culto ao líder e a ausência de projeto
A oposição brasileira encontra-se hoje encurralada entre o culto a um líder e a ausência de um projeto para o país. Ao reduzir sua agenda política à defesa de Jair Bolsonaro e de seus aliados, transforma partidos — que deveriam representar ideias, programas e visões de futuro — em meros instrumentos de blindagem pessoal. Essa inversão de prioridades enfraquece o debate público e mina a própria função do Legislativo como espaço de formulação de políticas para o desenvolvimento nacional. Nesse contexto, a renovação da representação política sufoca os novos nomes sob a sombra de um personalismo estéril e improdutivo.
Essa dinâmica também traz implicações democráticas graves: quando partidos se organizam em torno da proteção de indivíduos, abandonam o compromisso com a sociedade. Ou os partidos rompem com o personalismo que os aprisiona, ou continuarão assistindo à história passar sem serem protagonistas dela.