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Claudia Sheinbaum e o retrato da América Latina que não aprende

por Vivian Mesquita
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Ela gosta desse hábito simples: sair a pé do Palácio Nacional até o Ministério da Educação Pública. É um trajeto curto, cercado por gente, seguranças, câmeras, sorrisos e símbolos. Mas bastou alguns segundos para que tudo isso — a liturgia do cargo, o aparato estatal, a ideia de autoridade — se desmanchasse diante de uma violência asquerosa.

Um homem se aproximou da presidenta do México, Claudia Sheinbaum, tentou beijá-la e, em seguida, apalpou seu corpo e seus seios. Ao ser repelido, ele se afastou e com facilidade voltou a insistir na intimidade desautorizada. O nome disso é assédio sexual. A vítima, desta vez, é a presidente de um país.

“Se isso acontece com a presidente, o que acontecerá com todas as jovens do nosso país?”, perguntou Claudia, em tom de quem sabe que o óbvio ainda precisa ser dito.

A cena é revoltante. A gente vê, mas demora a acreditar. Porque o que está em jogo não é o corpo de uma mulher, é a impunidade de um homem que acredita poder fazer o que quiser — mesmo diante de câmeras, seguranças e holofotes.

Se ele se sente autorizado a violentar a presidente da República, quem estará segura nas ruas, nas escolas, no transporte público?

E não é “coisa do México”, embora o machismo por lá tenha raízes profundas. Dados do Instituto Nacional de Estatística e Geografia mostram que 45% das mexicanas já foram vítimas de assédio nas ruas.

A violência de gênero cresceu de 60% em 2016 para 70% em 2021. A violência sexual, de 41% para quase 50%. Dez mulheres são assassinadas todos os dias.

Mas essa não é uma história mexicana — é latino-americana. É nossa também.

O agressor de Claudia foi preso, mas só horas depois. Horas — é o tempo que o Estado leva para reagir a um crime cometido contra sua própria chefe. E é o mesmo Estado que, tantas vezes, vira o rosto quando a vítima é anônima, pobre, periférica.

No Brasil, a história se repete com outro figurino. Lembram do caso da deputada Isa Penna? Durante uma sessão plenária, o deputado Fernando Cury apalpou o seio da colega diante das câmeras da Alesp.

A punição? Seis meses de afastamento. Seis. O mandato não foi cassado. Ele foi condenado criminalmente, mas a pena se converteu em serviços comunitários.

É simbólico: o corpo da mulher, mais uma vez, é tratado como questão menor.

Enquanto isso, o Congresso aprovou um projeto que dificulta o aborto legal em crianças menores de 14 anos — justamente elas, as que mais precisam do amparo da lei.

O projeto, de autoria da deputada Chris Tonietto (PL-RJ), tenta derrubar uma resolução que garantia o direito ao aborto em qualquer fase da gestação, sem exigir boletim de ocorrência, decisão judicial ou autorização dos pais.

Ou seja: o Estado brasileiro, que não protege a criança do estupro, quer obrigá-la a parir.

No México, Claudia Sheinbaum fez o que se espera de uma líder: denunciou. Fez o que tantas outras têm medo de fazer. E, ao fazê-lo, mostrou que até quem ocupa o mais alto cargo de poder ainda precisa provar que é dona do próprio corpo.

Se até a presidente é violentada em público, que tipo de país é esse em que o corpo feminino é território livre para a invasão? E quando o Estado falha — ou pior, legisla contra —, quem é o verdadeiro criminoso?

O homem que apalpa? O deputado que zomba? Ou o Estado que cala?

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