Índice
Egresso do PDS, sigla sucessora da Aliança Renovadora Nacional (Arena) que dava apoio à ditadura militar, Ciro Gomes voltou aos braços da extrema-direita ontem: filiou-se ao PSDB e foi saudado pelas maiores lideranças bolsonaristas do Ceará como candidato deles ao governo do estado em 2026.
O ex-governador, ex-ministro da Fazenda e do Desenvolvimento Regional de Itamar Franco e de Lula, respectivamente, deverá ter como companheiros de chapa ao Senado o deputado estadual Alcides Fernandes (PL), pai do deputado federal André Fernandes (que não tem idade para disputar uma cadeira de senador), e o ex-policial militar “capitão” Wagner (União Brasil), prócer da bancada da bala nas falanges cearenses.
As sucessivas derrotas em pleitos presidenciais em 1998, 2002, 2018 e 2022 tisnaram, mas não destruíram de todo o prestígio local de Ciro. Ele será um candidato competitivo e no momento larga como favorito ante o governador Elmano Freitas (PT).
O senador Cid Gomes (PSB), ex-governador do estado (2007-2014) decidiu não renovar o mandato, contudo não apoiará o irmão: seguirá com a chapa petista desde que o deputado Júnior Mano (PSB), seu afilhado político, seja candidato a senador. O PT do Ceará começou a negociar a possível troca da cabeça da chapa – o ministro da Educação Camilo Santana, licenciado do Senado, pode substituir Elmano de Freitas na candidatura a governador. Só Santana e Cid têm potencial para fazer face à candidatura de Ciro. Um embate de irmão x irmão é muito pouco provável.
CERTEZA NA “FARIA LIMA”: TARCÍSIO DISPUTA A PRESIDÊNCIA
Depois de queimar cartuchos em críticas grotescas ao STF e à Justiça Eleitoral cumprindo a missão de protestar contra o julgamento justo de seu criador político, Jair Bolsonaro, chamuscando o prestígio pessoal em Brasília, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), recolheu-se no Palácio do Morumbi e às pautas estaduais a fim de sair da alça de mira dos adversários. Nesse período, por mais de uma vez, insinuou que havia desistido de disputar a Presidência da República e tentaria a reeleição para o governo. “É jogo de cena”, assegura um executivo do sistema financeiro destacado para acompanhar todas as movimentações macropolíticas no país. “Tarcísio é candidato, é o nosso candidato e só precisa acertar como será o palanque paulista”.
O acerto da chapa em São Paulo passou pela conversa que o governador teve com o ex-presidente Jair Bolsonaro em 29 de setembro. Nela, Tarcísio anunciou que não pretende deixar o Republicanos para se filiar ao PL e ser candidato pela legenda, como querem o ex-presidente e Valdemar da Costa Neto. Também deixou com Bolsonaro a tarefa de calar a boca do filho, Eduardo, que se diz autoexilado nos Estados Unidos e se crê candidato a presidente.
Tarcísio de Freitas aceita Eduardo Bolsonaro como candidato a senador na chapa paulista, caso o ainda deputado (foragido da Justiça) consiga se desvencilhar dos problemas legais que terá no registro da candidatura. Caso o governador renuncie ao mandato para tentar o salto presidencial, é improvável que o vice, Felício Ramuth (PSD) se consolide como candidato à reeleição depois de herdar o cargo. Guilherme Derrite (PL), secretário de Segurança e pré-candidato ao Senado, tende a ser posto na cabeça da chapa. Mas o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB) tentarão o posto. O deputado Marco Feliciano (PL) também tem intenção de disputar uma das vagas de senador por São Paulo.
No espectro do centro à esquerda, o ministro do Empreendedorismo e da Microempresa, Márcio França (PSB) será o candidato a governador caso a disputa se dê contra Tarcísio de Freitas. Se o atual governador renunciar para tentar a aventura presidencial o mais provável é que o presidente Lula se empenhe em deslocar o vice, Geraldo Alckmin (PSB) para tentar impor uma derrota estadual à extrema-direita elegendo-se governador para um quinto mandato.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) é o nome que o Partido dos Trabalhadores apresentará para o Senado por São Paulo e há uma composição aberta para a segunda vaga. As ministras Marina Silva (Meio Ambiente) e Simone Tebet (Planejamento), atualmente desconfortáveis em seus respectivos partidos (Rede e MDB) têm convite do PSB de Alckmin e da deputada Tabata Amaral para ingressarem no PSB e disputarem o Senado pela sigla socialista.
Uma articulação nacional com o MDB pode tirar o partido presidido pelo deputado paulista Baleia Rossi da trincheira dos extremistas de direita e colocá-lo nessa frente de centro-esquerda também. Caso o prefeito paulistano não obtenha sucesso na difícil empreitada de ser o candidato sagrado por Bolsonaro, Tarcísio e Kassab, esse é o desfecho mais provável para os emedebistas, que têm a vice-governadoria em aberto.
NO RIO, PAES NEGOCIA COM PL PARA EXCLUIR O PT
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), está em diálogo risonho e franco com o PL do senador Flávio Bolsonaro (que terá de renovar o mandato) para ter a extrema-direita na chapa que encabeçará. Não há hipótese de Paes abrir o cargo de vice-governador para o PT, como o presidente Lula sempre pretendeu. Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial e irmã da vereadora Marielle Franco (PSOL, assassinada em 2017 por milicianos próximos do clã Bolsonaro) está vetada na chapa construída pelo prefeito carioca. Na hipótese de fazer aliança com o PL de Flávio Bolsonaro, a segunda vaga de senador em apoio a Paes tende a ficar com o próprio PSD e o deputado Pedro Paulo é o mais cotado para ficar com ela.
O PT, que jamais elegeu um governador no Rio, chega a mais uma eleição estadual sem nomes fortes para a disputa. Até aqui, o diretório estadual fluminense apostava numa composição com o PSD de Paes. Porém, os flertes cada vez mais frequentes e escancarados do prefeito com o PL bolsonarista têm obrigado os petistas novos e desafiadores ensaios de composição. O espectro de “centro” no estado foi capturado por Eduardo Paes, que tem margem de composição com o MDB e com o PSDB locais, que são pequenos e têm pretensões exclusivamente legislativas.
O PDT, outrora forte no estado, é uma sombra do que foi. Voos executivos da centro-esquerda no Rio não têm pista para decolar em 2026. Para o Senado, como não está localizado no espectro de maluquices extremistas do bolsonarismo, o deputado Pedro Paulo (PSD) pode ser considerado um nome que compõe com o lado sério e lúcido da política. Os deputados Lindbergh Farias (PT), Tarcísio Mota (PSOL) e o presidente da Embratur Marcelo Freixo (PT) podem até tentar um salto de voo livre para a senatoria. Contudo, o céu que se abre na velha Guanabara não recomenda que o façam – ao menos na fotografia deste momento. Os três são indispensáveis no Congresso a partir de 2027 e uma eleição para o Senado de qualquer um deles seria absoluta surpresa no estado onde a política foi dominada pelas milícias e facções criminosas.
RUI COSTA QUER VOLTAR A ONDINA
A Bahia vive cenário semelhante ao do Ceará: o atual governador do PT, Jerônimo Rodrigues, está em primeiro mandato e pode ser candidato à reeleição. Porém, os cenários prospectivos não aconselham sua manutenção na cabeça de chapa. Ex-prefeito de Salvador, ACM Neto (União Brasil) está à frente das pesquisas e trabalha o desgaste de quase duas décadas de mandatos de governadores petistas (8 anos de Jaques Wagner, 8 anos de Rui Costa e 4 anos de Jerônimo que se completarão em 2026).
O neto do cacique baiano Antonio Carlos Magalhães já perdeu duas eleições para o PT – uma para Costa, a última para Jerônimo Rodrigues. Ainda assim, mesmo que não tivesse logrado sucesso na corrida até o Palácio de Ondina, manteve Salvador sob comando político de seu grupo e conservou quase uma centena de municípios do interior como satélites de força gravitacional. A terceira força eleitoral da Bahia é o PSD liderado localmente pelo senador Otto Alencar, aliado há anos dos petistas. ACM Neto tenta trincar essa aliança – o que não está fácil.
No tabuleiro baiano a cocada que está divergindo da cena é a do próprio Jerônimo Rodrigues. O governador não conseguiu se impor ante as lideranças do ministro da Casa Civil, Rui Costa, e do líder do governo no Senado, Jaques Wagner. Foi Wagner quem criou politicamente Costa, e foi o ministro da Casa Civil quem ungiu Jerônimo em 2022. Wagner já avisou que disputará a reeleição para senador, pois precisa renovar o mandato junto com Ângelo Coronel (PSD). O vice-governador Geraldo Júnior é do MDB e precisará receber algum gesto compensatório caso seja excluído da próxima chapa baiana.
Rui Costa trabalha para ser ele o candidato petista ao governo da Bahia. ACM Neto teme enfrentá-lo e se for levado a fazê-lo vai apostar na incoerência de o Partido dos Trabalhadores ter abortado a reeleição de Jerônimo Rodrigues: seria uma confissão de mau governo. É esse o discurso que a oposição baiana começa a trabalhar como antídoto a um roque de peças da esquerda estadual.
Jerônimo pode ficar no cargo sem disputar a reeleição e Geraldo Jr ser o vice de Costa; ou atual governador pode renunciar para se candidatar a deputado federal e deixar o vice por 9 meses no cargo de governador – o que aplacaria as ambições do emedebista, deixando a composição de vice em aberto para a chapa de Rui Costa. Esse cenário é o mais desafiador para a comunicação de campanha do PT baiano, sempre muito eficaz.
CAMPOS X LYRA: JOVENS ANTAGONISTAS, VELHOS ÓDIOS
Em Pernambuco, estado natal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Partido dos Trabalhadores vive um dilema atroz. Em 2024, foi desrespeitado e atropelado pelo prefeito do Recife, João Campos (PSB), que se recusou a aceitar uma composição com o vice sendo indicado pelos petistas e impôs seu melhor amigo para compor a chapa com ele. Campos fez isso porque não queria entregar a Prefeitura da capital pernambucana ao PT, em 2026, quando pretende renunciar ao cargo para disputar o Palácio do Campo das Princesas.
A governadora Raquel Lyra (PSD), que disputará a reeleição, flerta com parte do PT pernambucano. A sigla do presidente integra informalmente a base que dá governabilidade a Raquel na Assembleia Legislativa. Quando João Campos disputou a reeleição para prefeito excluindo o PT, a governadora articulou apoio a uma eventual candidatura do deputado estadual petista João Paulo Lima e Silva à Prefeitura. Em 2000, João Paulo foi o primeiro prefeito eleito pelo PT no Recife – reelegeu-se em 2004. A muito custo, o senador Humberto Costa desarmou o confronto PT x PSB em 2024. Porém, ficaram pontas desencapadas de fios ao relento.
Agora, é Humberto Costa quem exige de João Campos a lealdade necessária a seu projeto e ao projeto macropolítico de Lula: reelegê-lo senador para um terceiro mandato. O prefeito recifense, contudo, prometeu ao ministro Silvio Costa Filho (Republicanos) uma das senatorias pernambucanas e a Miguel Coelho (MDB), ex-prefeito de Petrolina e um dos representantes do clã dos Coelho no sertão do estado, a outra vaga de senador. Além disso, assim como fez na disputa municipal, Campos sequer abre negociação com o PT para o cargo e vice-governador.
O deputado Eduardo da Fonte (PP), aliado da governadora, é o nome mais forte no momento para um dos postos de senador. Lidera todas as pesquisas, de todos os institutos. No PP, Dudu da Fonte, como o deputado é conhecido, opera em faixa própria e independente do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do partido. Um dos mais eficazes políticos de sua geração no estado – tem 53 anos – Dudu da Fonte tem controle sobre diversos municípios do interior e alcança boa penetração na periferia do Recife. Hábil, o líder do PP local mantém bom diálogo com Humberto Costa e com o PT e mantém as portas abertas para uma composição ampla no estado onde o presidente Lula faz política por afeto.
Raquel Lyra faz uma administração de reparação do caixa estadual e terminou por acumular superávits orçamentários que lhe permitiram chegar à campanha de reeleição com diversas frentes de obras em aberto. Também se consolidou como uma governadora voltada para o interior do estado – o que lhe rende recall em zonas eleitorais nunca frequentadas por João Campos. O prefeito do Recife tem ampla liderança nas pesquisas pré-eleitorais atuais. Entretanto, tem imensa dificuldade de desatar os nós políticos formados pelo grupo de aliados remanescentes dos tempos de seu pai, o ex-governador Eduardo Campos, morto num acidente aéreo em 2014. Os “viúvos de Eduardo”, como o grupo é chamado, no momento, mais atrapalham do que ajudam a articulação de João Campos nos preparativos para o pálio com Raquel (que foi secretária do pai dele). Nesse cenário, o PT de Humberto Costa é troféu e os petistas fizeram um pacto interno: não se deixarão atropelar como em 2024.