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Por Cleber Lourenço
Com a maré de incertezas em torno da anistia a Jair Bolsonaro, o Centrão começa a reorganizar suas estratégias e rever prioridades. O desenho inicial era simples: negociar com a extrema direita um pacto de conveniência, oferecendo votos pela anistia em troca de apoio para a PEC das prerrogativas. Essa equação, contudo, começou a ruir. A pauta da anistia se mostrou instável demais, contaminada pelo desgaste público e pela resistência que cresce até mesmo em setores do próprio Congresso.
Diante desse cenário, líderes do Centrão avaliam que o mais seguro é inverter a ordem: acelerar a PEC das prerrogativas e, se necessário, abandonar a anistia no caminho. A lógica é clara — não vale a pena acumular o duplo desgaste por duas causas que, no fim, oferecem retornos incertos.
No centro das preocupações estão duas frentes de investigação que tiram o sono de parlamentares. De um lado, as apurações sobre o uso das emendas parlamentares, que seguem avançando em diferentes frentes e podem revelar esquemas de favorecimento que envolvem nomes de peso da Câmara e do Senado. De outro, a operação Faria Lima-PCC, que revelou uma teia de conexões entre o crime organizado e o setor de combustíveis, passando por fundos de investimento bilionários e estruturas financeiras de fachada.
O impacto imediato foi o pânico no mercado e a desconfiança sobre a profundidade do envolvimento político. O temor entre deputados do Sudeste, em especial, é que os desdobramentos atinjam de forma direta a bancada que hoje dá sustentação ao Centrão.
O próprio ICL Notícias revelou recentemente uma denúncia feita à Polícia Federal de que o senador Ciro Nogueira (PP) estaria citado no caso envolvendo a facção criminosa paulista e operadores do mercado financeiro da Faria Lima. Essa informação adicionou ainda mais combustível ao receio de que as investigações, até agora tratadas como incertas, possam ganhar densidade e comprometer a imagem de lideranças tradicionais.
Centrão começa a reorganizar suas estratégias e rever prioridades, priorizando se proteger e não se desgastar com pautas que não oferecem grandes retornos (Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil)
Se proteger
Um membro da articulação política do governo, em conversa reservada, traduziu esse movimento com clareza: “O Centrão precisa se proteger também. Essa coisa da Operação dos Postos ainda está com muita incerteza no ar.” A frase resume o que muitos comentam nos bastidores. A anistia pode ser útil como bandeira para agradar a extrema direita, mas não serve como escudo contra ameaças mais concretas que rondam o Congresso. Daí a guinada de estratégia em direção às prerrogativas, vistas como um instrumento de defesa imediata.
O problema é que a pauta das prerrogativas carrega um peso próprio. Trata-se de um tema delicado, impopular e capaz de gerar forte rejeição na opinião pública. Já provocou fissuras entre o Centrão e a extrema direita, que cobra exposição dos aliados mas evita aparecer diretamente vinculada a um projeto que soa como autoproteção descarada.
Há duas semanas, o deputado Sóstenes desabafou ao ICL Notícias que estava arcando sozinho com o desgaste da articulação e anunciou que se retiraria da linha de frente. Para ele, não fazia sentido ser o único a enfrentar o desgaste por um assunto que mexe com a credibilidade de todo o Parlamento. A fala instou outros deputados a assumirem a dianteira e expôs a dificuldade de construir consenso mesmo entre aqueles que dependem da medida.
Centrão sobre a presidência
Outro elemento que pesa na balança é a sucessão presidencial de 2026. O Centrão observa com interesse a candidatura de Tarcísio de Freitas e entende que gestos ao bolsonarismo já foram feitos em abundância. A avaliação é que expor em demasia o extremismo do governador paulista pode ser contraproducente. Para esse grupo, o melhor caminho é dosar o discurso de forma homeopática: permitir que Tarcísio continue confortável em sua militância ideológica, mas evitar que o bloco político seja arrastado para a mesma trincheira.
A preservação da imagem pragmática do Centrão vale mais do que a insistência em agradar integralmente à base radical. O grupo político entende que para que o governador tenha alguma chance em uma eleição tão difícil como a de 2026, Tarcísio precisará se fantasiar de moderado ocasionalmente.
No Planalto, a leitura é pragmática: a PEC das prerrogativas pode voltar ao centro das negociações a qualquer momento. Apesar da resistência externa, o texto oferece ao bloco uma rede de segurança concreta, ao limitar prisões e operações contra parlamentares. Para o Centrão, que opera em ambiente de desconfiança permanente, essa rede vale mais do que a promessa instável da anistia.
Em conversas reservadas, assessores do governo reconhecem que o avanço da pauta é cenário possível e até provável, sobretudo se novas revelações sobre emendas e a operação Faria Lima-PCC surgirem no horizonte. A cada dia que passa, a anistia perde força, e a blindagem ganha contornos mais nítidos como prioridade real do jogo político.