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Por Paulo Batistella – Ponte Jornalismo
Um jovem negro de 19 anos foi morto a tiros pela Polícia Militar do Paraná (PM-PR) durante uma blitz de trânsito irregular em Palotina, pequeno município no interior do estado, na última sexta-feira (19/9). Os dois policiais envolvidos no caso alegaram que a vítima teria desobedecido uma ordem de parada e arremessado uma motocicleta em direção a eles, mas foram desmentidos pelas imagens de uma câmera de segurança: na verdade, Igor Nicolas do Carmo Rodrigues foi baleado ao ser surpreendido pela alegada fiscalização em um trecho escuro, sem sinalização ou bloqueio da via.
O caso ocorreu às 23h54, quando Igor circulava de moto por uma rua próxima a um campus da Universidade Federal do Paraná (UFPR) para buscar a namorada e saírem juntos. Ele foi baleado pelo policial militar Gabriel Afonso Aleixo de Freitas. O também soldado Pedro Henrique Frizon era o outro agente presente na ocorrência. Eles seguem cumprindo expediente no município.
Gabriel disparou três vezes com uma pistola Beretta calibre 9 milímetros. Dois dos tiros atingiram o tórax de Igor, que ainda conduziu a moto por mais alguns metros até cair de lado com ela. O terceiro dos disparos feriu Pedro de raspão. Mesmo com a vítima baleada no chão, os dois policiais se mantiveram inertes, sem prestar socorro imediato. Pessoas que tentaram se aproximar da cena para ajudar foram expulsas pelos agentes.
“Eles ameaçaram quem tentava chegar perto, falavam que levariam a pessoa presa”, relata, à Ponte, o irmão mais velho do jovem morto, Luan do Carmo.
PM divulgou versão falsa pela imprensa local
Morador de Foz do Iguaçu, a cerca de 220 quilômetros de Palotina, Luan soube do assassinato do irmão no começo da madrugada do sábado (20/9), quando as únicas informações do episódio vinham de uma versão da própria PM-PR repercutida pela imprensa local. Ela dava conta de que o jovem teria avançado em alta velocidade contra dois policiais em uma blitze para tentar empreender uma fuga.
Essa versão também foi relatada pelos policiais em um boletim de ocorrência. Segundo eles, Igor teria desobedecido sinais luminosos, gestos e ordens verbais de parada. Além disso, ao acelerar e arremessar a moto contra os agentes, teria incorrido em uma “agressão iminente e injusta”. Eles concluíram então que a morte a tiros seria justificada: “Não havendo alternativa eficaz menos lesiva diante da conduta, foi necessário o uso de força policial com arma de fogo.”
Luan desconfiou imediatamente dessa versão, por entender que Igor jamais faria aquilo. O jovem era habilitado e dono da própria moto, com documentos em dia. Nunca teve qualquer antecedente criminal, era trabalhador — durante o dia, batia ponto em uma loja de roupas e, à noite, cumpria expediente em um restaurante — e tinha um perfil apaziguador.
“Ele era muito tranquilo, sempre sorridente. Você nunca via ele de mau humor. Se ficava bravo com alguém, em dois ou três minutos já queria ficar de bem, resolver o problema”, diz o irmão mais velho.
Câmera mostra que jovem não tentou fugir
Na manhã seguinte ao assassinato, após se deslocar até Palotina, Luan e a esposa foram então averiguar a cena do ocorrido. “Como os policiais disseram que ele havia tentado fugir, o Igor precisaria estar em alta velocidade, e deveria ter sinais disso na pista. Mas, quando chegamos lá, vimos que não tinha nada: nenhum sinal de derrapagem, de queda ou algum destroço da motocicleta. Então, começamos a olhar ao redor para ver se haveria alguma câmera de segurança, e tinha em uma casa bem em frente.”
Uma moradora da casa cedeu então as imagens reveladoras. Nelas, os policiais aparecem com uma viatura estacionada à beira da Rua Pioneiro, em um trecho cercado por um canteiro de árvores e um gramado que leva a uma área de mata nativa, nos fundos do campus da UFPR. A iluminação no local é baixa. O carro dos PMs está com os faróis e o giroflex desligados. Também não há cones ou outra sinalização física na via.
Quando Igor se aproxima, em aparente velocidade adequada para o local, os dois policiais saem de trás da viatura e se colocam na faixa de rolamento. Pedro tenta então piscar uma lanterna, quando Igor se dá conta da blitze. O jovem desvia do primeiro policial a tempo, mas é baleado pelo segundo deles.
O Código Brasileiro de Trânsito (CTB) estabelece como uma infração gravíssima furar um bloqueio viário policial. O Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (MBFT) especifica que esse tipo de bloqueio se caracteriza pela “presença de cones, cavaletes, ou viatura(s), ou outros equipamentos utilizados na sinalização, posicionados de forma a limitar ou impedir o fluxo dos veículos em um ou ambos os sentidos da via, com o objetivo de realizar ações de segurança pública incluídas nestas as ações para fins de fiscalização de trânsito”.
Ou seja, a blitze em Palotina não cumpria esses requisitos, fundamentais para a segurança de quem passa por ela e também de quem fiscaliza.
Família pede expulsão de policiais envolvidos
Os policiais envolvidos no assassinato de Igor alegaram, no boletim de ocorrência, que faziam a blitze no âmbito da Operação Sinergia III, uma iniciativa anunciada pela Secretaria da Segurança Pública do Paraná (Sesp-PR) para intensificar atividades de policiamento ostensivo em todo o estado. Segundo o governo Ratinho Júnior (PSD), o objetivo da operação é combater o crime organizado e aumentar a sensação de segurança entre a população, com fiscalizações e abordagens qualificadas, entre outras ações.
O irmão do jovem morto diz que, no caso da blitze em Palotina, as abordagens pareceram seletivas, tendo em vista as que foram gravadas pela câmera de segurança em frente ao local. Luan afirma não saber, no entanto, se houve uma motivação racista dos policiais ao abordar e balear Igor. “A gente vê muita estatística, mas eu não posso afirmar. O que posso dizer é que aquele era um local muito movimentado, e, pelas imagens, não vi eles abordarem veículos. Abordaram pessoas que passavam caminhando, pessoas de moto. Então, era bem seletivo, não estavam parando todo mundo.”
A “Ponte” pediu um posicionamento à Sesp-PR, questionando, entre outras coisas, se a pasta chefiada pelo secretário Hudson Leôncio Teixeira, ex-comandante-geral da PM-PR, entende que a conduta dos policiais no caso foi ou não adequada. Em resposta, a secretaria solicitou que o assunto fosse tratado com a assessoria de imprensa da Polícia Militar. Procurada posteriormente, a PM paranaense afirmou que instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para tratar do caso, uma investigação conduzida por policiais militares. “Após a sua conclusão, o inquérito será encaminhado ao Ministério Público para apreciação.”
A “Ponte” também solicitou uma manifestação do Ministério Público do Paraná (MP-PR), órgão ao qual constitucionalmente cabe o controle externo da atividade policial no estado. Em uma primeira resposta, limitou-se a dizer que averiguaria o pedido e daria um retorno, o que ainda não fez.
Luan diz que, agora, a família luta por justiça. “A gente espera que esses policiais, tanto o que atirou, quanto o outro que estava nessa operação, sejam afastados do trabalho, excluídos do quadro da Polícia Militar e julgados pelo crime que cometeram. Porque a vida do meu irmão não vai voltar.”