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Câmara vota hoje projeto que ameaça aborto legal de meninas vítimas de estupro

por Schirlei Alves
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Por Schirlei Alves

A Câmara dos Deputados deve votar nesta segunda-feira (3), em Plenário, a partir das 18h, o requerimento de urgência do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 3/2025, que pretende revogar a Resolução nº 258/2024, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). A norma organiza o fluxo de atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, garantindo acesso ao aborto legal e assistência humanizada, intersetorial e integral.

Se a urgência for aprovada, o PDL poderá ir direto ao Plenário, sem passar pelas comissões, ameaçando não apenas a Resolução 258, mas outras decisões do Conanda, como normas sobre violência sexual, infância trans e sistema socioeducativo.

Ataques anteriores

Laura Molinari, coordenadora da campanha Nem Presa Nem Morta, lembra que a resolução já foi alvo de ataques desde a sua aprovação em dezembro de 2024.

“Essa resolução do Conanda está sendo questionada e atacada pela extrema direita desde a sua aprovação. Em dezembro mesmo, logo depois da aprovação do Conanda, a [senadora] Damares Alves (Republicanos-DF) entrou com uma ação judicial para tentar impedir que a resolução fosse publicada no Diário Oficial.”

Segundo Molinari, a pressão social, com apoio da campanha, das organizações da sociedade civil e do Conanda conseguiu garantir que a Resolução entrasse em vigor:

“A resolução está valendo desde então, desde janeiro, e em fevereiro a [deputada] Cris Tonietto (PL-RJ) apresentou esse projeto de decreto legislativo para sustar a resolução.”

Membros do movimento “Criança não é Mãe” realizam protesto contra o projeto de lei (PL 1.904/2024), que equipara aborto de gestação acima de 22 semanas a homicídio. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Riscos do PDL 3/2025

O projeto, segundo Molinari, é inconstitucional e viola leis brasileiras:

“O Ministério das Mulheres e o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania já enviaram notas técnicas ao Congresso contrárias ao projeto de decreto legislativo, porque ele de fato é inconstitucional. Viola o ECA e o Código Penal que autoriza o aborto nesses casos.”

Na nota técnica publicada em setembro, o Ministério das Mulheres afirmou que o PDL 3/2025 é inconstitucional e viola tratados internacionais de direitos humanos. O documento destaca que a revogação da Resolução nº 258/2024 teria “impacto negativo à proteção dos direitos e garantias de crianças e adolescentes, especialmente meninas vítimas de violência sexual”.

A nota reforça que o aborto decorrente de estupro é previsto no artigo 128 do Código Penal e reconhecido por decisões do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, além de afirmar que o Conanda atuou dentro de suas competências legais ao regulamentar o atendimento a vítimas de violência sexual

“Diante dos argumentos expostos, a Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres considera que o Projeto de Decreto Legislativo nº 03, de 2025, de autoria da Deputada Chris Tonietto (PL/RJ), possui vícios constitucionais, convencionais e legais, os quais implicam em impacto negativo à proteção dos direitos e garantias de crianças e adolescentes, especialmente as meninas vítimas de violência sexual, razão pela qual se posiciona contrária ao referido PDL”, diz o documento.

Em nota técnica, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania também se posicionou de forma contrária ao PDL 3/2025. O documento considera o projeto de “alto impacto negativo para as políticas públicas dos direitos de crianças e adolescentes” e reforça que “as disposições contidas na Resolução nº 258/2024 detalham procedimentos e estabelecem um fluxo para o que já está previsto no Código Penal desde 1940, com o foco de assegurar atendimento humanizado, digno e proteção às vítimas de violência sexual.”

A nota ressalta ainda que o acesso ao aborto legal é uma garantia dos direitos à saúde, à vida e à integridade física e psicológica de crianças, adolescentes, jovens e mulheres vítimas de violência sexual

20 mil meninas se tornam mães

“[A resolução] só organiza as legislações que já existem para garantir de fato que crianças adolescentes possam acessar o serviço de aborto legal. A gente tem uma média de 20.000 crianças dando a luz todos os anos, que teriam direito ao aborto legal e menos de 200 abortos legais em crianças e adolescentes”, afirma Molinari.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado neste ano, o Brasil registrou, em 2024, 87.545 vítimas de estupro — o maior número da história desde que os dados começaram a ser compilados. Ao menos 79,8% das vítimas eram vulneráveis, 55,6% eram negras e 65,7% dos casos ocorreram dentro de casa.

O que a Resolução do Conanda garante:

  • Atendimento humanizado e especializado para vítimas de violência sexual;
  • Estabelece diretrizes para atuação de profissionais de saúde, assistência social, segurança pública e educação;
  • Promove o trabalho intersetorial e articulado para prevenir a revitimização e garantir o acolhimento digno às vítimas;
  • Coloca a proteção da criança e adolescente como prioridade absoluta, como manda o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Constituição Federal.

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