A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (5) a tramitação de urgência do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 3/2025, que pretende revogar a Resolução nº 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). A norma estabelece diretrizes para o aborto legal em crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e garante atendimento humanizado e intersetorial.
O requerimento de urgência acelera a tramitação do projeto, permitindo que ele vá direto ao plenário sem passar antes pelas comissões. A aprovação da urgência teve 313 votos favoráveis e 119 contrários. Agora, os deputados analisam o mérito da proposta, que, se aprovada, ainda precisará passar pelo Senado.
O PDL foi apresentado pela deputada Chris Tonietto (PL-RJ) e conta com o apoio de outros 45 parlamentares de partidos conservadores e do centrão, como PL, União Brasil, Republicanos e PSD.
Tonietto argumenta que a resolução do Conanda extrapola suas funções e alega que a norma dá autonomia a menores de 14 anos para realizar o aborto independentemente da autorização dos pais.
“Sendo assim, prevê, na prática, uma submissão quase compulsória ao procedimento de aborto”, disse a deputada.
Deputadas da oposição criticaram a proposta apresentada por Tonietto. Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que, em muitos casos, o estuprador é um familiar da criança.
A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) também criticou o PDL 3/2025: “O que vocês querem aqui é introduzir no Código Penal algo que não existe, para criminalizar essas meninas. Isso é inconstitucional, isso é uma vergonha. […] Menina não é mãe e estuprador não é pai. Respeitem a lei brasileira”.
Diretrizes e evidências internacionais
Uma das principais disputas sobre a resolução envolve o tempo gestacional. O PDL questiona que o Conanda não estabelece limite de idade gestacional para a realização do aborto. No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) não define um limite de idade gestacional para a interrupção da gravidez nem recomenda proibições baseadas nesse critério.
Pelo contrário, suas diretrizes desaconselham regulamentações que restrinjam o aborto por semanas de gestação, enfatizando que tais limites podem prejudicar o acesso seguro ao procedimento e a saúde das vítimas.
A Resolução do Conanda não cria uma nova legislação, mas organiza o fluxo de atendimento a crianças e adolescentes, assegurando que tenham prioridade nos serviços de aborto já previstos em lei, acompanhamento contínuo de defensor público e atendimento humanizado.
No Brasil, o aborto é legalizado em três situações: quando a gravidez resulta de estupro, quando há risco de morte para a gestante e em casos de anencefalia do feto. Além disso, a Lei de Estupro de Vulnerável (artigo 217-A do Código Penal) considera todas as meninas menores de 14 anos como vítimas de estupro, independentemente do consentimento, garantindo assim o direito ao aborto legal.
Laura Molinari, coordenadora da campanha “Nem Presa Nem Morta”, lembra que o Brasil registra milhares de crianças e adolescentes grávidas em decorrência de violência sexual, mas que apenas uma pequena fração realiza o aborto legal. “A resolução só organiza legislações já existentes para garantir que essas meninas tenham acesso ao serviço de aborto legal”, afirma.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado neste ano, o Brasil registrou, em 2024, 87.545 vítimas de estupro — o maior número da história desde que os dados começaram a ser compilados. Ao menos 79,8% das vítimas eram vulneráveis, 55,6% eram negras e 65,7% dos casos ocorreram dentro de casa.
Os Ministérios da Mulher e dos Direitos Humanos emitiram normas técnicas reforçando que o PDL 3/2025 é inconstitucional e prejudica a proteção de meninas vítimas de violência sexual. Esses documentos destacam que a Resolução nº 258/2024 apenas organiza procedimentos já previstos no Código Penal, garantindo atendimento humanizado, digno e intersetorial, e que a revogação da norma poderia comprometer o acesso seguro ao aborto legal e outros direitos essenciais à saúde, integridade física e psicológica das vítimas.
O PDL 3/2025 é criticado por especialistas e órgãos de direitos humanos por apresentar vícios constitucionais e impactar negativamente a proteção das vítimas de violência sexual, caso seja aprovado.
*Com informações da Folhapress