Por Gabriel Gomes
O Brasil concentra 40% de todo o conteúdo antivacina do continente latinoamericano. É o que aponta o estudo “Anti-vaccine Disinformation in Latin America and the Caribbean” (Desinformação antivacina na América Latina e no Caribe), que mapeou, pela primeira vez, 81 milhões de mensagens publicadas em 1.785 comunidades de teorias da conspiração no Telegram, distribuídas por 18 países, entre 2016 e 2025. O levantamento é coordenado por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O estudo identificou 175 supostos danos atribuídos às vacinas e 80 falsos “antídotos” vendidos como “detox” para neutralizar seus efeitos. Segundo alerta dos pesquisadores, a desinformação se consolidou como mercado lucrativo e ameaça à saúde pública.
“A desinformação não é acaso, é um projeto daqueles que lucram com isso. Ela se organiza, se financia e se adapta porque há interesses por trás. O que o estudo mostra é que o antivacinismo virou um sistema de medo e lucro que mina a confiança social e fragiliza políticas públicas de saúde”, explica Ergon Cugler, pesquisador do DesinfoPop/FGV e coordenador do estudo.
A pesquisa é o maior levantamento já feito sobre o ecossistema digital antivacina na região, cobrindo desde os fluxos discursivos até as dinâmicas econômicas que sustentam a desinformação.
Brasil lidera a desinformação antivacina na América Latina (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Desinformações sobre vacinas cresceram mais de 600 vezes durante a pandemia
De acordo com o estudo, as postagens sobre vacinas em comunidades de teorias da conspiração cresceram 689,4 vezes entre 2019 e 2021, impulsionadas pela pandemia de Covid-19. Em 2025, ainda circulam 122,5 vezes mais conteúdo antivacina do que em 2019.
Cerca de 40% de todo o conteúdo antivacina da América Latina e do Caribe circula em grupos brasileiros, sendo o país com maior volume de mensagens e usuários ativos em comunidades conspiratórias sobre vacinas. Segundo os pesquisadores, A liderança se mantém há quase uma década e o Brasil sozinho já circulou mais de 580 mil conteúdos.
“O Brasil virou o epicentro latino-americano da desinformação antivacina. Isso não acontece por acaso: temos um ambiente digital que ainda engatinha no debate da regulação, plataformas que lucram com o engajamento do medo e desafios estruturais que permitem que o discurso conspiratório floresça”, diz Ergon Cugler.
A pesquisa mapeou os 175 principais supostos danos causados pelas vacinas, divulgados nos grupos de desinformação. (Foto: Reprodução)
Desinformações mais comuns sobre as vacinas
A pesquisa mapeou os 175 principais supostos danos causados pelas vacinas, divulgados nos grupos de desinformação. As alegações falsas mais comuns vão de morte súbita e alteração do DNA a envenenamento e câncer, seguidas por boatos sobre coágulos, infertilidade e problemas cardíacos.
O ranking é liderado por “morte súbita” (15,7% dentre todas as mensagens que mencionam vacinas nas comunidades da América Latina e do Caribe), “mudança no DNA” (8,2%), “AIDS” (4,3%), “envenenamento” (4,1%) e “câncer turbo” (2,9%). Também seguem circulando teorias já desmentidas sobre autismo, aborto espontâneo e microchips injetados.
A pesquisa mapeou os 175 principais supostos danos causados pelas vacinas, divulgados nos grupos de desinformação. (Foto: Reprodução)
O estudo também identificou 80 falsos antídotos para supostamente “desfazer” vacinas. Os mais difundidos são o aterramento – ficar descalço no solo – (2,2%), que afirma “limpar energias do corpo”; o dióxido de cloro (1,5%), vendido como “solução milagrosa mineral” mas altamente tóxico; e produtos como alho, ivermectina e zeólita.
Também são propagadas substâncias químicas como DMSO e terra diatomácea, além de práticas
simbólicas com cristais e orgonites. O estudo mostra que para cada narrativa sobre “envenenamento” ou “alteração do DNA”, há uma promessa de “cura” por meio de frascos ou suplementos minerais vendidos por gurus digitais, além de cursos e consultorias espirituais.
“O antivacinismo é mais do que um discurso: é um mercado que transforma pânico em produto. Enfrentar isso exige ação coordenada entre governo, imprensa, plataformas e sociedade. Combater a desinformação é uma questão de soberania informacional e de saúde pública”, conclui Ergon Cugler.
O estudo foi divulgado nesta sexta-feira (17), quando é comemorado o Dia Nacional da Vacinação. A pesquisa completa está disponível neste link.
 
			        