Por Adele Robichez, Aline Macedo e Lucas Krupacz – Brasil de Fato
Durante o 25º Encontro Estadual de Educadoras e Educadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), realizado em Salvador (BA) no início desta semana, foi anunciada a implementação da matriz curricular da educação do campo na rede estadual de ensino. Com isso, o estado se torna o primeiro do Brasil a ter um currículo específico e contextualizado com o modo de vida de comunidades camponesas, indígenas e quilombolas.
Segundo Poliana Reis, diretora de Educação dos Povos e Comunidades Tradicionais do MST na Bahia, o documento é resultado de um processo iniciado ainda em 2020, durante a pandemia. “Nós temos um conjunto de documentos.
Desde 2020, a Bahia está no processo de construção de um currículo, que são orientações curriculares para as modalidades de ensino”, informou ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. Ela explica que o currículo aprovado pelo Conselho Estadual da Educação neste ano engloba educação do campo; educação escolar quilombola e indígena; educação de jovens e adultos e educação especial.
A matriz curricular inclui componentes ligados à realidade camponesa. “É uma matriz que tem componentes de agroecologia nas três séries do ensino médio, que fala de economia feminista, que fala da juventude e de sucessão rural”, detalhou.
Para ela, ver essas experiências e saberes valorizados na escola atende a uma reivindicação histórica. “Quem tem a origem de povos e comunidades tradicionais sempre desejou se ver, poder ver seus antepassados no conteúdo que é trabalhado nas escolas”,
A iniciativa, avalia, deve inspirar outros estados. “Nós defendemos um projeto de sociedade, e ele não pode ficar restrito à Bahia”, defendeu. “Se é bom, tem que ser dividido e tem que ser apreciado também pelos demais estados brasileiros”, complementou.
Currículo nasce de construção coletiva
A construção foi feita com a participação de movimentos sociais, universidades e comunidades de diferentes regiões do estado. “Tudo na educação das modalidades temos que fazer de forma coletiva, respeitando esses princípios, esses fundamentos”, disse Reis.
O processo envolveu uma consulta pública de dois meses e encontros presenciais nas comunidades após o período mais crítico da pandemia. “Foi uma construção, de fato, diversa, tendo a centralidade da educação, que já é construída pelos movimentos sociais”, ressaltou.
A diretora destaca que o currículo tem como objetivo romper com a visão urbanocêntrica, que considera a cidade como centro de tudo, como se o modo de vida urbano fosse o correto, o mais desenvolvido, o modelo a ser seguido. “Currículo é espaço de poder, de disputa. Não faz sentido que nas escolas do campo, com toda a sua diversidade, continuemos a propagar a lógica urbanocêntrica”, afirmou.
O documento serve não só como diretriz para o ensino, mas também para a formação continuada de educadores e para a produção de um material didático específico.
Entre os desafios para os próximos anos estão a formação dos profissionais e o combate a preconceitos históricos. “Precisamos desconstruir algumas questões muito difundidas ao longo da história, de que o campo não era um espaço produtor de cultura, de conhecimento. Nós sabemos que isso não é verdade”, exemplificou Reis. “Ser do campo é ser de um espaço de resistência, de um espaço produtor de cultura, produtor de conhecimento”, acrescentou.