Por Cleber Lourenço
A tentativa de ressuscitar a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro perdeu o último fôlego e expôs de forma definitiva o esvaziamento político do tema dentro da Câmara dos Deputados. A proposta, que chegou a mobilizar a base bolsonarista e dominou semanas de articulações, não entrou na pauta da reunião de líderes realizada nesta quinta-feira (30).
O episódio consolidou a percepção de que, sem apoio interno e sem clima político, a anistia se transformou em uma pauta morta. Nem mesmo os aliados mais próximos de Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) acreditam em uma retomada.
A ausência de Sóstenes, que havia anunciado publicamente que pediria a inclusão do tema na reunião, reforçou o sentimento de abandono da pauta. Em conversa com o ICL Notícias, o deputado afirmou ter deixado Brasília pela manhã e encarregado o vice-líder Alberto Fraga (PL-DF) de defender a proposta.
“Cheguei agora no RJ. Deixei o vice-líder pra pedir pauta”, disse. E, quando perguntado sobre o que fariam caso o presidente da Câmara, Hugo Motta, não colocasse a matéria em discussão, foi categórico: “Obstruir tudo a semana que vem”.
Nos bastidores, a promessa de obstrução é vista com ceticismo. Líderes presentes confirmaram que o pedido não foi feito e que o tema sequer foi citado ao longo do encontro. Um parlamentar ouvido pelo ICL em caráter reservado resumiu o ambiente: “Só o Sóstenes querendo”. Segundo ele, o clima entre os líderes foi de total indiferença — não houve sequer debate lateral sobre a anistia.
O líder do PDT, Mário Heringer, que participou da reunião, confirmou que o tema não foi levantado e explicou as razões do esvaziamento. “O tema se esgotou devido ao radicalismo e à impossibilidade de achar consenso. E não é pauta da sociedade nesse momento. As ações do PL impediram a redução de penas para os menores agressores”, afirmou.
A avaliação do pedetista reflete o sentimento predominante entre as bancadas do centro e da base governista: a insistência do PL em tratar a anistia como bandeira ideológica acabou isolando o partido e desgastando o debate.
Deputados que acompanham as negociações afirmam que a ausência de Sóstenes, aliada ao silêncio de Fraga, foi interpretada como um gesto de rendição tácita. A leitura é de que, diante da falta de apoio e da perda de tração junto a outras bancadas, o PL tenta agora usar a anistia como instrumento de mobilização simbólica para a militância nas redes sociais e para o discurso eleitoral de 2026. “Eles perceberam que não há votos, não há ambiente e não há mais clima. A insistência virou desgaste”, avaliou um interlocutor do centro.
A estratégia de obstrução, anunciada por Sóstenes como reação caso a anistia não fosse pautada, também é vista como inócua. Fontes afirmam que o PL deve fazer movimentos pontuais na próxima semana, mas sem coordenação suficiente para travar votações relevantes.
Um integrante da mesa diretora afirmou que, na prática, o governo e o centrão devem manter o ritmo normal de votações, deixando a oposição isolada em uma postura meramente performática.
Enfraquecimento da pauta da anistia
O episódio marca mais um capítulo da derrocada política da anistia e simboliza o enfraquecimento do movimento que buscava pressionar o Legislativo a votar o perdão aos participantes do 8 de janeiro. O principal articulador se ausentou, o substituto permaneceu em silêncio e a maioria dos líderes deixou o encontro sem demonstrar qualquer disposição em retomar o tema. O consenso é claro: a anistia está fora do radar legislativo e o assunto deve sobreviver apenas como retórica eleitoral.
No plenário, restará à oposição cumprir a promessa de obstrução — um gesto mais simbólico do que efetivo, incapaz de alterar o rumo de uma pauta já considerada encerrada. A Câmara, por sua vez, sinaliza que pretende virar a página, enquanto o debate sobre responsabilização pelos atos golpistas segue restrito ao campo judicial e à narrativa política da extrema direita.
 
			        