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Até que a morte os separe

por Eliana Alves Cruz
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O Censo de 2022 trouxe um dado perturbador: Mais de 34 mil pessoas entre 10 e 14 anos vivem em união conjugal no Brasil. Quase oito em cada 10 são mulheres. Os dados foram divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na última quarta-feira (5/11).

O Instituto ressalva que as informações foram fornecidas pelos próprios moradores e considera as possibilidades de alguns erros no preenchimento, algumas interpretações equivocadas… Enfim, não importa. Seja qual for o número não é muito distante do coletado e é gente demais vivendo como há dois séculos. É criança demais sendo mulher, homem e parindo criança.

Nas histórias da maioria das famílias brasileiras alguns relatos são corriqueiros, ou seja, fazem parte da narrativa oral e estão no imaginário de gerações. A história da indígena “pena no laço”, a do antepassado que foi escravizado (a), a da mãe ou avó que deu à luz a 6, 8, 10,11,14 filhos. Todas são narrativas que, se tirarmos da contação de história e imaginarmos na prática, são doloridas demais. Para uma mulher dar conta de tantos partos, ela precisa começar sua sina de “parideira” praticamente na infância. E ter infância é um dos grandes privilégios do mundo.

O Censo nos conta que deste grupo de meninos e meninas — sobretudo meninas — casados, 7% o foram no civil e no religioso, 4,9% só no civil e 1,5% só no religioso. O resto, ou seja, 87% viviam algum outro arranjo de união.

A legislação brasileira proíbe casamento civil entre menores de 16 anos e mesmo com esta idade, a união só é autorizada pela lei com autorização dos responsáveis. A técnica do IBGE Luciene Aparecida Longo disse ao portal G1 que a resposta depende de quem declara, pois o Instituto quer um retrato do Brasil o mais fidedigno possível, ou seja, não somente com o que é legal  justamente para identificar onde há questões sensíveis e onde as políticas públicas precisam atuar para diminuir ou eliminar distorções.

Embora as uniões sejam consensuais é importante definir consenso, autonomia e independência quando se tem 10 anos. Dentro destes dados é possível sentir os odores fétidos de abusos velados, de exploração, evasão escolar, adultização, sobrecargas, precariedades no campo da saúde reprodutiva, da saúde em geral e vidas aceleradas por um relógio cruel que beira o sadismo.Uniões muito mais na doença que na saúde. Muito mais desamando e desrespeitando até que a morte os separe.

Crianças em uniões conjugais perturbam porque, em pleno século 21 revelam camadas muito fundas de um país que segue, como disse Millôr Fernandes, com um enorme passado pela frente.

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