Por Juliana Dal Piva e Schirlei Alves
“Arrancaram a cabeça do meu sobrinho e colocaram numa árvore. Deixaram o corpo do meu sobrinho em um lado e a cabeça em outro. Agora eu te pergunto: se isso é um policiamento treinado para uma operação?”, disse a cuidadora de idosos e manicure Beatriz Cristina Dias Nolasco, moradora do Complexo do Alemão, enquanto aguardava para fazer o reconhecimento do corpo do sobrinho, na tarde desta quarta-feira (29), morto e decapitado aos 19 anos.
A megaoperação policial realizada nesta terça-feira (28) nos complexos do Alemão e da Penha já é considerada a mais letal do país envolvendo forças de segurança, com pelo menos 119 mortes confirmadas.
Yago Ravel Rodrigues, o sobrinho de Beatriz, era mototaxista e tinha uma filha de 2 anos e, segundo ela, não morava no morro do Alemão. Ele havia ido até lá para visitar a avó e desapareceu após tentar retornar para a casa da mãe, no momento em que a operação começou.
Lentidão no reconhecimento dos corpos
O defensor público André Castro, que estava prestando atendimento às famílias no IML do Rio, afirmou que há dificuldade para agilizar o reconhecimento dos corpos e possibilitar o luto das famílias.
“Nós sequer sabemos os nomes de todas essas pessoas, muitas delas ainda não foram recolhidas do mato, né? A defensora subcoordenadora do núcleo de direitos humanos da Defensoria Pública saiu agora da Penha, subiu o mato e viu corpos ainda que não foram recolhidos”, disse na tarde desta quarta-feira (29).
André Castro afirmou que os defensores públicos já estão identificando, nas audiências de custódia relacionadas ao caso, relatos que denunciam violações de direitos nas comunidades.
“Já existem essas informações, defensores públicos que atuam na audiência de custódia já têm verificado isso, inclusive relatos de policiais que invadiram o domicílio sem qualquer autorização legal, sem qualquer permissivo constitucional para fazer”, afirmou.
Famílias vivem trauma
Isabela Cristina, moradora da Vila Cruzeiro, que também aguardava para reconhecer o corpo do afilhado no IML do Rio, contou que passou a madrugada procurando pelo jovem na mata, até receber a informação de que ele teria sido preso. Poucas horas depois, recebeu a notícia da morte.
“Cinco horas da manhã me ligaram falando que o corpo dele estava na mata”, relatou.
“Eu vi ele com a cara arrebentada, que ele tomou um tiro na cara, estava baleado na perna, estava todo esfaqueado. O dedo dele do pé estava quebrado, estava torto”, completou.
A moradora da Vila Cruzeiro precisou ir até o Detran para reconhecer oficialmente o corpo e liberá-lo para o enterro. Já passava das 11h quando falamos com ela e ainda não havia sido chamada para fazer o reconhecimento.
Para muitas famílias, o reconhecimento dos corpos se transforma em um novo trauma e, para a Defensoria, a falta de transparência e de perícia independente é uma barreira para a responsabilização e a reparação.