A reportagem exclusiva publicada pelo ICL Notícias, nesta quarta-feira (30), de que documentos revelam que policiais foram assassinados antes de cerco em mata, levantou a hipótese de que a letalidade da ação que deixou 121 mortos nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, pode ter sido potencializada pelo clima de vingança. A revelação repercutiu entre parlamentares e especialistas, que cobraram transparência nas investigações e responsabilização pelos excessos cometidos.
Para o deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ), autor da lei que instituiu o uso de câmeras nos uniformes da Polícia Civil, a operação teve características claras de retaliação: “Em qualquer operação, quando morre um policial logo no início, isso multiplica e intensifica muito a sede de vingança, que é estimulada pelos comandantes: ‘faca nos dentes e sangue nos olhos’. Essas mortes podem, sim, ter tirado o equilíbrio dos policiais. ”.
Segundo o deputado, a operação já havia sido pensada com o objetivo “de cerco e aniquilamento” e teve motivações políticas. “Obviamente não era para os criminosos se renderem. Foi uma chacina encomendada por razões políticas”, disse, apontando que o governo fluminense buscava se fortalecer após o desgaste com o tarifaço e a rejeição da PEC da Bandidagem.
Deputado federal Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ)
O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) afirma que a sede de vingança está presente na polícia do Rio de Janeiro de forma permanente: “A política de segurança, ou insegurança, desenvolvida pelo governo do estado, gera um ambiente e sentimento de vingança contra aquilo que eles chamam genericamente de ‘bandidos’. Eles vão para essas ações estimulados pelo ódio contra aqueles que são – na concepção da guerra – os inimigos. E com inimigos você ou mata ou morre, e o campo da Vacaria foi o matadouro”.
Já o deputado federal Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) avalia que a hipótese de vingança não pode ser descartada.. “Não dá pra afirmar que a chacina foi por motivo de vingança, isso tem que ser apurado. Mas essa hipótese não deve ser descartada”, afirmou.
Para ele, o massacre reflete uma política de segurança pública baseada na letalidade, não na inteligência. “A polícia do Rio é feita para matar e morrer. A lógica irracional, o tiro sem estratégia e as execuções têm a ver com características que estão no mecanismo da operação da segurança pública do Rio de Janeiro.Quando falta comando, quando falta controle externo da atividade policial e quando o próprio governador estimula a licença para matar”, pontuou
Orlando Zaccone
José Vicente dos Santos Filho, ex-secretário Nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da PM SP, concorda que a hipótese de vingança deve ser considerada na investigação do Ministério Público. “Fato semelhante ocorreu na operação no Jacarezinho em 2021, quando um policial civil morreu logo no começo. Daí seguiram 27 mortes”, comenta.
Santos também relembra que reação parecida da polícia ocorreu em São Paulo. “Aqui (SP) aconteceu algo semelhante após a morte de policial na Baixada Santista. A vingança é um problema constante nas ações policiais, infelizmente”.
Delegado aposentado da Polícia Civil do Rio e presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB estadual, Orlando Zaccone acredita que o sentimento de revanche está claro.
“Houve informações que chegaram aos traficantes de que os policiais estariam ali escondidos na mata antes de a operação começar, e provavelmente eles passaram a ser o elemento surpresa que vitimou esses policiais. Isso gerou uma reação de vingança por parte da polícia que fez com que o número de mortos e a violência aplicada naquele ambiente fosse maior”, analisa Zaccone. “Ou seja, nós temos uma política de segurança voltada para aprodução de cadáveres de todos os lados: tanto do lado dos chamados faccionados, quanto dos policiais”.
Para o delegado, a operação bateu recordes negativos: “Não só em relação ao número absoluto de mortos, mas também bateu o recorde no número de policais mortos. Quatro foram entrerrados e três estão em estado muito grave”.