Casa EconomiaApós ataques da PM, povos Guarani-Kaiowá temem novas incursões no MS

Após ataques da PM, povos Guarani-Kaiowá temem novas incursões no MS

por Gabriel Anjos
0 comentários
apos-ataques-da-pm,-povos-guarani-kaiowa-temem-novas-incursoes-no-ms

Por Gabriel Gomes

Após serem alvos de ações da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul (MS), que deixaram dezenas de feridos e resultaram na morte de um jovem na última semana, os indígenas Guarani e Kaiowá vivem sob a tensão de uma nova incursão dos militares, comandados pelo governador Eduardo Riedel (PP). A comunidade, que há muitos anos luta pela demarcação de suas terras, vem resistindo à pulverização de agrotóxicos que contaminam suas plantações.

Na ação da Tropa de Choque, que ocorreu na última sexta-feira (17), 11 pessoas ficaram feridas na comunidade Guyraroká, em Caarapó. Entre elas está Valdelice Veron, uma das principais lideranças indígenas do estado, reconhecida nacionalmente. De acordo com relatos da comunidade, os policiais usaram balas de borracha durante a operação. Valdelice foi atingida no abdômen e no peito.

A violência ocorreu durante mais uma retomada: processo pelo qual os povos originários buscam recuperar territórios tomados por não indígenas. A tensão começou na quinta-feira (17), quando os indígenas bloquearam uma estrada vicinal para impedir a passagem de maquinários agrícolas que seriam usados na pulverização de agrotóxicos nas terras.

Júnior Concianza Severino, 24 anos, reconhecido como Pessoa com Deficiência Psicossocial (PCD), foi morto pela PM, na última quinta-feira (16), na aldeia Panambizinho, em Dourados (MS). A família do jovem contesta a versão divulgada pela PM, segundo a qual Júnior estaria “em surto” ou teria tentado tomar a arma dos policiais.

Após as ações, agentes da Tropa de Choque da PM continuam na região, gerando temor de novos ataques.

“Existe esse temor, inclusive de ataques noturnos, que seriam ilegais. Ontem (segunda-feira, 20), os indígenas ligaram o tempo inteiro, dizendo que a Tropa de Choque estava se deslocando à noite. Como tudo isso é feito à margem da lei — sem mandado, flagrante e justificativa — pode acontecer a qualquer momento, por qualquer motivo”, relata Matias Benno Rempel, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de Mato Grosso do Sul.

“Há um destacamento permanente da Tropa de Choque, circulando entre Guyraoka e Passo Piraju. Estão prontos para atacar qualquer movimentação dos indígenas. Os Guarani estão sendo coagidos no direito de resistência, impedidos até de reconstruir casas. Qualquer tentativa de montar barracos é respondida com ataque. Então, o cerco continua”, completa.

A comunidade Guyraroká reivindica o território da Fazenda Ipuitã, retomado em setembro de 2025. O local é alvo de disputa desde 1999. Embora a União tenha reconhecido a área como Terra Indígena em 2009, o ato foi revogado em 2016, e o processo segue em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).

Atualmente, cerca de 200 indígenas vivem em uma área de 50 hectares, enquanto relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) reconhece o território original com 11 mil hectares.

Indígenas Guarani e Kaiowá organizaram retomada de território ancestral. (Foto: Divulgação/Aty Guasu)

Indígenas sofrem com agrotóxicos

Nos últimos meses, os Guarani e Kaiowá realizaram protestos contra a pulverização de agrotóxicos, que contamina as plantações dos indígenas. Por causa do veneno, já perderam toneladas de sementes.

Com o uso indiscriminado de agrotóxicos, microorganismos e insetos invadem as plantações indígenas em busca de alimento. As plantas que escapam dos insetos acabam “queimadas” pelos agrotóxicos despejados nas plantações de soja, que também atingem o território da comunidade.

Em julho deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Força Nacional, com apoio das Polícias Judiciária e Técnico-Científica, apreenderam 202 kg de agrotóxicos contrabandeados do Paraguai. Segundo o Ibama, os produtos estavam escondidos em depósitos clandestinos dentro de uma fazenda na Terra Indígena Guyraroka, em Caarapó.

Tito Vilhalva Guarani e Kaiowá recebe relator da CIDH. (Foto: Renato Santana/Cimi)

Luta dos Guarani e Kaiowá

A questão Guyraroká é alvo de uma petição em trâmite na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Em 22 de agosto, o relator para os Povos Indígenas da CIDH, Arif Bulkan, visitou o território para ouvir a comunidade. Na ocasião, o ancião Tito Vilhalva Guarani e Kaiowá, de 108 anos, compartilhou um relato de esperança.

“Não sei se ainda estarei vivo para ter a terra demarcada. É o que eu desejo, mas que pelo menos meus filhos, netos e bisnetos vejam”, disse ao “Brasil de Fato”.

Bulkan declarou aos Guarani e Kaiowá que o caso da TI precisa de encaminhamentos pela Comissão, que pode estabelecer prazos ao Estado brasileiro para sua resolução e até encaminhar o processo à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Em 2019, a CIDH concedeu uma medida cautelar que obriga o Estado brasileiro a proteger a vida e a integridade física dos Guarani e Kaiowá da comunidade Guyraroká.

Outro lado

O ICL Notícias procurou a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, o Ministério dos Povos Indígenas e a Funai para se posicionarem sobre o caso.

Em nota, a PMMS afirmou que Júnior Concianza Severino, 24 anos, estava em surto antes de ser morto, versão contestada pela família. Segundo a corporação, ele “resistiu e agiu de forma agressiva contra a equipe médica e os policiais”. O uso de bastão e munição de elastômero, segundo a corporação, não surtiu efeito, e disparos foram realizados quando ele teria tentado desarmar um policial.

O jovem foi socorrido pelo SAMU e encaminhado ao hospital, onde não resistiu aos ferimentos e morreu.

O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) informou que acompanha a situação, atuando na mediação dos conflitos. A pasta disse não possuir informações sobre mortes recentes, tendo sido notificada apenas de feridos por munição menos letal e bombas de gás lacrimogêneo.

Segundo o MPI, a situação é monitorada em tempo real, com acionamento da Força Nacional para segurança das comunidades, e todos os órgãos competentes foram oficiados para atuação dentro das devidas competências.

Até o fechamento da reportagem, o ICL não obteve resposta da Funai. O espaço segue aberto.

você pode gostar