Por Cleber Lourenço
O PL da anistia ficou de fora, mais uma vez, da pauta da Câmara dos Deputados. Mesmo após semanas de negociações e reuniões de bastidores, o projeto que busca ajustar as penas dos condenados pelos atos de 8 de janeiro segue sem consenso entre as bancadas. O relator, Paulinho da Força (Solidariedade-SP), aposta agora em uma última tentativa: apresentará nesta terça-feira o texto final aos líderes partidários para tentar viabilizar a votação ainda antes das eleições municipais.
Nos bastidores, a avaliação é que o movimento representa a última cartada política do deputado para manter o tema vivo. Caso não consiga apoio até o fim da semana, o projeto deve ser engavetado até o final do ano legislativo, perdendo espaço na agenda política tomada pelas disputas eleitorais. O impasse se tornou um retrato da divisão entre o governo, a oposição e o próprio Centrão, que tenta manter influência sem romper com o Supremo Tribunal Federal.
O texto reformulado propõe diferenciar os participantes dos atos golpistas entre “influenciáveis”, que teriam participado de forma passiva, e organizadores e financiadores, que não teriam direito à redução de pena. Paulinho da Força defende que a medida é uma forma de ajustar condenações desproporcionais, sem configurar anistia ou interferência no Judiciário.
Apesar do esforço do relator, a proposta enfrenta resistência de vários lados. O PL de Jair Bolsonaro é abertamente contrário à dosimetria, insistindo na defesa de uma anistia ampla que contemple todos os condenados. Já o PT e os partidos da base do governo rejeitam mudanças no Código Penal antes do fim dos julgamentos no Supremo. A combinação desses dois movimentos — a intransigência bolsonarista e a cautela governista — deixou o projeto sem sustentação política clara.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem adotado postura de cautela. Segundo interlocutores, ele não pretende levar o texto ao plenário sem acordo entre as bancadas, para evitar uma derrota que enfraqueceria o Congresso diante do STF. Motta, contudo, tem mantido diálogo com Paulinho e com líderes do Centrão para medir a disposição real das legendas em reabrir o debate nas próximas semanas.
Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Motta
Não há ‘clima político’ para debater anistia
No Senado Federal, o cenário é ainda menos favorável. O presidente Davi Alcolumbre (União-AP) já havia avisado Paulinho e Motta que “não há clima político” para tratar do assunto. Outros senadores, como Renan Calheiros (MDB-AL), afirmaram que o projeto deve ter “o mesmo destino da PEC da Blindagem” — arquivada após forte resistência. A avaliação é que qualquer tentativa de alterar o resultado dos julgamentos do STF seria interpretada como um desafio institucional.
Enquanto isso, o Palácio do Planalto adota uma postura de observador. Membros da articulação política afirmam que o governo acompanha de perto o desenrolar das negociações, mas prefere não se envolver diretamente para não gerar atritos com o Supremo ou reforçar a narrativa bolsonarista de interferência nos processos. O Planalto avalia que o tema é delicado e politicamente custoso, e que qualquer manifestação pública poderia reacender o conflito entre os Poderes.
Entre os líderes do Congresso, o clima é de fadiga e desconfiança. Deputados admitem que o tema perdeu fôlego, mas reconhecem que o texto de Paulinho ainda serve como termômetro político para medir a correlação de forças entre o Legislativo, o STF e o bolsonarismo. “Ninguém quer ser o dono da pauta, mas todo mundo quer saber até onde ela vai”, disse um interlocutor da Câmara.
Com o impasse mantido, o relator aposta em mostrar publicamente o texto para pressionar bancadas indecisas e construir um discurso de que o Congresso precisa agir diante do que considera “excessos punitivos” nas decisões judiciais. Se não houver acordo, o PL da dosimetria tende a repetir o destino de outras propostas que enfrentaram resistência conjunta do governo, da oposição e do Senado — ficar fora da pauta indefinidamente.