Índice
ouça este conteúdo
00:00 / 00:00
1x
Em meio à tensão comercial devido às tarifas impostas pelo governo dos Estados Unidos a produtos brasileiros, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, sinalizou na segunda-feira (15) que o Brasil deve manter uma postura diplomática frente às negociações.
Durante participação no evento Valor 1000, promovido pelo jornal Valor Econômico em São Paulo, o também ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio reforçou que o caminho escolhido pelo governo é o do diálogo e da mediação institucional via OMC (Organização Mundial do Comércio).
“O Brasil tem agido com cautela. Defendemos o livre comércio e o multilateralismo. Por isso, recorremos à OMC, mesmo com suas limitações atuais”, afirmou.
Apesar de o decreto da Lei da Reciprocidade já ter sido publicado, o que permitiria ao Brasil retaliar comercialmente países que imponham sanções unilaterais, Alckmin deixou claro que o governo não pretende acioná-la neste momento.
“Não vamos responder com retaliações. Vamos dialogar. Acreditamos que ainda há espaço para negociação”, disse.
Tarifas sobre o café brasileiro já repercutem
O setor cafeeiro foi um dos primeiros a sentir os efeitos diretos do tarifaço de 50% imposto pela gestão de Donald Trump sobre produtos brasileiros. De acordo com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), as exportações de café especial para os EUA caíram quase 70% em agosto, na comparação com julho. Em relação ao mesmo mês de 2024, a queda foi de 79,5%.
No segmento de café solúvel, os números também são alarmantes: retração de 50,1% em relação a julho e 59,9% frente a agosto do ano anterior, segundo dados da Abics (Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel).
Com essa queda, os EUA perderam posições entre os maiores compradores do café brasileiro e foram ultrapassados por países europeus como Holanda, Alemanha, Bélgica, Itália e Suécia. A Alemanha, inclusive, assumiu a liderança como principal destino do café nacional.
Entidades ligadas à cadeia do café têm cobrado que o governo brasileiro abra canais diretos de negociação com os EUA, algo que já foi tentado pelo setor da indústria, por meio da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Porém, o governo norte-americano deixou claro que a imposição de tarifas é mais política do que econômica, e tem a ver com o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF (Supremo Tribunal Federal).
Indústria calçadista também sofre
As tarifas impostas pelo governo Trump também já trouxe impactos à indústria de calçados. Segundo a Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), as exportações para os EUA caíram 17,6% em agosto, com perda de receita de 1,4%.
Uma pesquisa feita pela entidade mostra que:
- 73% das empresas já registraram queda no faturamento;
- 60% enfrentam cancelamentos de pedidos;
- 60% relatam atrasos ou paralisações nas negociações.
Em resposta, metade das empresas tem recorrido a descontos médios de 15% nos preços para manter clientes norte-americanos. Algumas adotaram férias coletivas enquanto aguardam sinais mais claros do mercado.
Outro efeito sentido é o aumento de 41,5% nas importações de calçados chineses em agosto, comparado ao mesmo mês do ano anterior. A China, também afetada pelo tarifaço americano, tem redirecionado sua produção para países sul-americanos, ampliando sua presença no mercado brasileiro com produtos a preços muito baixos.
Perspectivas e riscos para o comércio exterior
O cenário atual impõe desafios relevantes à política externa brasileira e à estabilidade de setores altamente dependentes das exportações para os Estados Unidos.
Com um déficit de ao menos duas décadas na balança comercial com os EUA, o Brasil não possui muitos instrumentos de negociação, uma vez que o governo norte-americano deixou claro que a questão envolve o julgamento do ex-presidente Bolsonaro.
Enquanto isso, o filho do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, segue nos EUA articulando com a Casa Branca medidas retaliatórias contra o Brasil.
Resta, portanto, ao governo brasileiro fazer o que já tem feito: buscar a vida diplomática, já que o governo Trump não quer negociar, diversificar seus parceiros de mercados, o que também já está sendo feito, e fortalecer sua atuação institucional em fóruns como a OMC.