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A escola e o racismo: um papo de branco

por Luiz Antonio Simas
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Tenho trinta anos de experiência em sala de aula. Trabalhei com ensino fundamental, ensino médio e ensino superior; dei aulas, ao mesmo tempo, para a elite carioca de Ipanema e para trabalhadores de Campo Grande que precisavam estudar à noite porque desde cedo trabalhavam. Convivi em sala com adolescentes de Botafogo e da Vila Kennedy, houve ano em que dei aulas de manhã para a elite de Icaraí e de noite para a turma do Pavão/ Pavãozinho. A partir dessa experiência em sala de aula, farei algumas observações, em tópicos, sobre a necessidade de se pensar as tensões entre racismo e educação.

Vamos lá.

– O ponto de partida para qualquer discussão é considerar que o racismo e o colonialismo são modos socialmente gerados de perceber o mundo. Raça não é uma condição biomolecular, não existe como tal, mas uma poderosa construção fenotípica e cultural. Quando falo de raça, me refiro a uma construção social que opera na dimensão do racismo e me faz ter, como branco, a proteção da cor da pele.

– O racismo é um problema patológico dos brancos. Como tal, pensemos, nós que somos brancos, inclusive os que (como eu) foram civilizados por saberes pretos, a nossa incontornável branquitude. Isso já virou uma questão de, no mínimo, compostura intelectual.

– Educar é ensinar e aprender que não há detentores do monopólio do saber, da inteligência, da beleza ou da verdade. As sociedades contemporâneas são heterogêneas e complexas. A escola deve pensar permanentemente o dissenso criativo e o convívio entre diferentes com direitos correlatos.

– Analisando certa feita vários livros didáticos de História para emitir um parecer, constatei que a Revolução Haitiana continuava sendo ensinada (quando era) de forma periférica nas nossas escolas. Não ocorria nesses livros levantar uma questão crucial: por que é que os entusiastas da Revolução Francesa e da ideia dos direitos universais do homem se apavoraram com a Revolução do Haiti? Como justificar a ideia de que o Homem Universal não incluiria os escravizados/colonizados haitianos que se insurgiram contra a tirania?

– A resposta dos adeptos do pensamento racionalista europeu a este incômodo foi jogar a discussão pro campo da dicotomia entre civilização e barbárie, operando o conceito de raça para estabelecer os que tinham condições de ter seus direitos reconhecidos (civilizados/brancos) e os que não deveriam ter esses direitos (selvagens/outros).

– Daí concluo que toda a construção do “Ser Branco” em um estado colonial, passa a se fundamentar na naturalização de uma superioridade que seria inata à nossa condição biológica (brancos) e cultural (ocidente/cristianismo/ciência). A patologia colonial da branquitude é o complexo de superioridade.

– A neurose do branco colonizador é a de que somos, ao mesmo tempo, colonizados. Já não somos europeus, nunca poderemos ser, e não queremos ser americanos do sul. Vivemos na rasura. Nos sentimos superiores (a negros, indígenas) e inferiores (aos imaginados “europeus legítimos”) ao mesmo tempo. Descontamos o fato de não termos a Mona Lisa desprezando a arte marajoara. Não seremos o que gostaríamos de ser e detestamos o que somos.

– Como lidar e desconstruir o complexo de superioridade em relação aos negros e indígenas – um pilar do racismo – e o complexo de inferioridade em relação aos povos do Norte? De que maneira a escola deve encarar isso?

– Não basta para as escolas, sobretudo as escolas particulares e de elite, trabalhar com as culturas afro-indígenas, como se isso fosse (ainda que muito importante) suficiente para combater o racismo. Muitas vezes, inclusive, esse trabalho anda no fio da navalha do fetiche entusiasmado e do paternalismo condescendente.


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– É urgente que as escolas particulares discutam a patologia da branquitude, debatam com professores e alunos (quase todos brancos) o lugar de privilégio do ser branco na colonialidade. Enquanto isso não for feito, ficaremos nas bordas do enfrentamento da neurose da superioridade.

– Não adianta encarar os saberes não brancos como laboratórios de experiência que precisam de um laboratório conceitual branco para serem compreendidos. Ou se descoloniza o pensamento, o ser, o currículo, a escolaridade, para que ela se afirme como uma política de vida e liberdade, ou enxugaremos gelo. Nós, os brancos, somos agentes desse horror.

Esse trabalho é árduo e não pode ser eventual: é tarefa cotidiana.

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