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A era da simulação

por Bruno Natal
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O aplicativo Endless Summer tem uma proposta que soa como uma distopia corporativa de criar fotos de férias que você nunca teve. Através da inteligência artificial, o app gera imagens do usuário em praias paradisíacas, montanhas nevadas ou qualquer destino que a pessoa nunca tenha conseguido visitar porque estava trabalhando 12 horas por dia.

O criador, Laurent Del Rey, é designer de produto da Meta e diz que a ideia é permitir às pessoas esgotadas “manifestar uma vida leve que elas merecem”. É curioso que isso venha de um funcionário de uma das big techs mais criticadas por arrochar o ritmo de trabalho. Gerar imagens de um momento de lazer que nunca existiu deve ser o ápice do burnout.

Outra empresa, a Rent a Cyberfriend, conecta pessoas solitárias com outras dispostas a vender seu tempo para oferecer companhia virtual. Os usuários pagam para bater papo com um amigo cibernético. O fundador diz que a solidão é um problema tão grande que um ser humano pode voltar a ter valor econômico direto.

Não são apenas pessoas comuns tentando projetar uma vida ideal que estão usando IA para criar imagens falsas. O Guardian revelou que organizações humanitárias e de saúde estão usando IA para gerar imagens de campanhas sobre pobreza extrema, fome e violência sexual.

Fotos que imitam retratos de pessoas reais em situações vulneráveis, mas que nunca existiram, no que é chamado de pornô da pobreza 2.0. A justificativa são os custos e dificuldade em conseguir autorizações de uso de imagens reais. A repercussão foi tão ruim que a ONU já retirou uma campanha do ar por reclamações do público que se sentiu enganado.

No Rio, a Polícia Civil prendeu 35 pessoas envolvidas em um call center da fé que vendia orações criadas por IA. O grupo arrecadou 3 milhões de reais em um ano vendendo orações personalizadas geradas pelo ChatGPT a 50 reais cada. Falei mais sobre esse caso no episódio desta semana do podcast RESUMIDO [https://resumido.cc].

O mundo está se tornando um produto sintético. Suas férias, suas orações, sua companhia, até campanhas de caridade são versões digitais da coisa real. A era da simulação nos faz acreditar que estamos vivendo quando, na verdade, estamos apenas posando.

Simular é fácil. Viver de verdade é que dá trabalho.

* Bruno Natal é jornalista, documentarista e apresentador do podcast RESUMIDO (www.resumido.cc), sobre o impacto da tecnologia em todos os aspectos das nossas vidas. Disponível nas principais plataformas de streaming.

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