Casa EconomiaA carne que esquenta o planeta: maiores produtoras impactam tanto quanto petrolíferas

A carne que esquenta o planeta: maiores produtoras impactam tanto quanto petrolíferas

por Laura Kotscho
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Por Isabel Seta – Agência Pública

Se fossem um país, as 45 maiores empresas que produzem carne e laticínios seriam o nono maior emissor de gases do efeito estufa do mundo. Juntas, essas empresas, entre as quais estão gigantes brasileiras como a JBS, emitiram 1 bilhão de toneladas de gases do efeito estufa, que contribuem com o aquecimento global, em 2023 – mais do que a Arábia Saudita, segundo maior produtor global de petróleo.

Os dados – lançados a poucos dias do início da 30ª Conferência do Clima da ONU, a COP30, que vai reunir representantes de quase 200 países em Belém, no Pará, para discutir medidas de enfrentamento à crise climática – são de um levantamento feito pela Profundo, organização de pesquisa sem fins lucrativos, e integram um relatório de quatro ONGs internacionais (Greenpeace, Foodrise, Friends of the Earth, Institute for Agriculture and Trade Policy).

Só as cinco maiores emissoras combinadas (as brasileiras JBS e Marfrig, a americana Tyson, a também brasileira Minerva e a americana Cargill) produziram, em 2023, 480 milhões de toneladas de gases do efeito estufa. O número é superior às emissões de grandes petrolíferas, como Chevron (com 454 milhões de toneladas), Shell (429 milhões) e BP (366 milhões).

Considerando apenas o metano – gás do efeito estufa com mais capacidade de reter calor do que o gás carbônico (CO₂) -, o relatório estima que as 45 maiores empresas de proteína animal emitiram no total mais do que todos os países da União Europeia e o Reino Unido em 2023.

Segundo o relatório, as comparações com petrolíferas e países são apenas ilustrativas, já que não há uma padronização global dos dados de emissões entre diferentes indústrias e setores econômicos.

Ainda assim, elas dão dimensão do impacto climático das grandes produtoras globais de proteína animal, provocado principalmente pelo metano, que respondeu por mais de 51% das estimativas de emissões das empresas.

Aquecimento global e o “arroto” do boi

Diminuir as emissões de metano, produzidas majoritariamente pelo rebanho bovino, é considerada uma medida estratégica para desacelerar rapidamente o aquecimento global, porque, apesar de possuir uma vida curta, esse gás é quase trinta vezes mais potente que o dióxido de carbono.

Em 2021, mais de 150 países, entre eles o Brasil, firmaram um compromisso de cortar essas emissões em 30% até o final da década. Ainda assim, a concentração do gás na atmosfera bateu um novo recorde no ano passado, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM).

No Brasil, as emissões de metano aumentaram em 6% entre 2020 e 2023, ano em que o país lançou 21,1 milhões de toneladas de metano na atmosfera, de acordo com o Observatório do Clima. A agropecuária, pela fermentação entérica (o famoso “arroto” dos bovinos), responde por 70% das emissões de metano.

Segundo Gabriel Quintana, do Imaflora, o Brasil poderia adotar várias metas para reduzir de forma considerável essas emissões na pecuária, como melhorar a dieta animal por meio de pastagens bem manejadas, realizar melhoramento genético para maior produtividade animal de 45% do rebanho de gado e expandir o abate precoce dos bovinos para corte, totalizando 85% dos abates nacionais com até 30 meses.

“Por depender de um clima estável, a agricultura global está em uma situação perigosa. O sistema agrícola está ameaçado pelos impactos climáticos, sendo, ao mesmo tempo, o segundo maior impulsionador desses impactos por meio das emissões”, afirma o professor de Oxford Paul Behrens, que pesquisa as conexões entre clima, energia e alimentação, no relatório das organizações internacionais.

“Os lucros das empresas de carne e laticínios dependem da negação do papel delas como motor dessa crise, como mostra esse relatório”, diz Behrens.

Emissões colocam JBS no nível de petrolíferas

O relatório dá especial atenção à JBS, maior processadora de carne do mundo e, pelas estimativas, também a maior emissora entre as empresas do ramo por uma margem considerável. Sozinha, a companhia – que abateu 3,6 bilhões de frangos, 20,8 milhões de cabeças de gado e 38,8 milhões de porcos em 2023 – responde por 24% de todas as emissões das 45 empresas.

Conforme o levantamento, em 2023, a JBS emitiu estimadas 241 milhões de toneladas de gases do efeito estufa, mais do que as emissões individuais de 81% dos países do mundo. Apenas o rebanho bovino respondeu por 87% dessas emissões.

O relatório cita, ainda, outro levantamento, da Greenpeace Nordic, que, no ano passado, estimou que as emissões de metano da JBS ultrapassaram as reportadas pelas petrolíferas Shell e ExxonMobil combinadas. Esse mesmo levantamento anterior já havia mostrado que, somadas, JBS, Marfrig, Minerva, Cargill e Dairy Farmers of America emitiram a mesma quantidade de metano que ExxonMobil, Chevron, Shell, TotalEnergies e BP, também somadas.

De acordo com o documento, todas as empresas de carne e laticínios foram procuradas antes da publicação do relatório para comentar os dados e os resultados das estimativas de emissões.

Em um evento recente, ao mencionar as emissões do setor agropecuário, o CEO da JBS, Gilberto Tomazoni, disse que há um problema de métrica e que a conta atual é incompleta por considerar as emissões, mas não contabilizar também a captura de carbono durante o crescimento da pastagem.

O CEO da JBS, Gilberto Tomazoni /  Foto: Divulgação

“Nós não podemos ser avaliados pelas métricas da agricultura temperada”, afirmou, em setembro, no NeoSummit COP30. “Nós temos que ser avaliados pelas métricas da agricultura tropical. Então esse é o grande desafio que o Brasil tem que mostrar [na COP30 e outros eventos internacionais]”.

O pleito é ecoado por entidades representativas do agronegócio, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), que defendem a “tropicalização” das métricas usadas para calcular a quantidade de emissões do setor e têm levado essa demanda para a presidência da COP30.

“Há cerca de um mês atrás, o presidente [da CNA] João Martins recebeu a visita do presidente da COP30, embaixador Corrêa do Lago. O presidente João externou com muita ênfase ao embaixador a nossa expectativa de que a COP30 possa avançar nesse contexto da agricultura tropical para que nós possamos ter o agro brasileiro efetivamente medido com métricas e critérios adaptados à agricultura tropical – e não mais por métricas de agricultura temperada que não refletem efetivamente a realidade do agro brasileiro”, afirmou Muni Lourenço Silva, da CNA, em um evento recente da entidade.

Em 2021, a JBS foi uma da primeira entre as empresas do setor a se comprometer com neutralizar suas emissões até 2040 e acabar com o desmatamento ilegal em sua cadeia de fornecedores.

Entretanto, em janeiro deste ano, o diretor global de sustentabilidade da JBS afirmou, em entrevista à agência Reuters, que a meta de neutralidade de emissões nunca foi uma promessa de fato, mas apenas uma “aspiração”.

Ao longo dos últimos anos, surgiram denúncias de que a empresa teria comprado gado criado ilegalmente em áreas protegidas, como Terras Indígenas e Reservas Extrativistas, como mostrou a Agência Pública.

Mais recentemente, uma investigação da organização Human Rights Watch (HRW) aponta que a JBS pode ter exportado para a União Europeia carne bovina e couro produzidos com gado proveniente de fazendas ilegais no Pará. À HRW, a JBS afirmou que monitora as fazendas de seus fornecedores diretos para verificar se eles cumprem sua política de compras. Afirmou ainda que, a partir de 1º de janeiro de 2026, será obrigatório que os fornecedores diretos disponibilizem informações sobre seus fornecedores.

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