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Presidente do STM e ministro trocam acusações após pedido de perdão por Herzog

por Schirlei Alves
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Por Cleber Lourenço

A sessão desta terça-feira (4) do Superior Tribunal Militar (STM) começou com um confronto direto entre a presidente da Corte, ministra Maria Elizabeth Rocha, e o ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira. Logo na abertura dos trabalhos, a ministra reagiu às críticas feitas ao seu pedido de perdão às vítimas da ditadura e à família de Vladimir Herzog — gesto que marcou uma das raras manifestações públicas da Justiça Militar reconhecendo erros cometidos durante o regime.

No início da sessão, Maria Elizabeth classificou como misóginas as declarações de Amaral, que na semana anterior havia dito que ela deveria “estudar mais a história do Tribunal” e que seu discurso teve “abordagem política”. Em tom firme, a ministra respondeu:

“O tom misógino, travestido de conselho paternalista, não me intimida. Estou nesta Corte há quase duas décadas e conheço bem a instituição.”

A troca de palavras cresceu quando Amaral afirmou que não deu “delegação” para que ela falasse em nome dele, ouvindo de volta: “Nem eu quero”. O diálogo foi seguido de tensão entre os ministros e de um silêncio constrangido no plenário.

Maria Elizabeth aproveitou o momento para defender o significado simbólico do pedido de perdão feito no ato pelos 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog, realizado na Catedral da Sé, em São Paulo. Segundo a presidente do STM, o gesto foi “eticamente republicano” e “sem cunho partidário”, com o objetivo de reconhecer a responsabilidade institucional da Justiça Militar por “erros e omissões” cometidos durante o regime militar.

“Foi um ato de responsabilidade pública, não de humilhação”, disse. Ela destacou ainda que a fala teve caráter pessoal, embora estivesse no exercício da presidência da Corte, e não foi submetida ao colegiado.

Ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira – Foto: Reprodução

Amaral, tenente-brigadeiro do ar e indicado ao STM por Jair Bolsonaro em 2020, reagiu logo após a fala da presidente. Negou que suas críticas tenham sido misóginas e afirmou que a exposição pública das divergências “projeta o tribunal de maneira negativa”. Em tentativa de conter a repercussão, sugeriu que os ministros realizem uma reunião reservada para discutir o episódio e evitar que novas divergências internas sejam tratadas em plenário.

A tensão entre os dois ministros tem origem nas diferentes visões sobre o papel da Justiça Militar diante do legado da ditadura. Enquanto Maria Elizabeth defende que o tribunal deve reconhecer e refletir sobre suas omissões no período, Amaral representa a ala mais conservadora da Corte, contrária à ideia de revisitar o passado.

O episódio se tornou um marco por trazer a disputa ideológica para dentro do plenário, algo raro na tradição do STM, conhecido pelo tom corporativista em suas sessões.

Primeira mulher a presidir o STM em mais de dois séculos de existência, Maria Elizabeth tem defendido uma postura institucional voltada à transparência e à autocrítica. Ela é ministra desde 2007 e, durante sua carreira, tem sido uma das vozes mais ativas no diálogo entre o tribunal e entidades civis.

Seu pedido de perdão foi saudado por organizações de direitos humanos e familiares de mortos e desaparecidos políticos, que viram no gesto um avanço simbólico no reconhecimento de responsabilidades históricas.

Em setores militares, contudo, o discurso causou desconforto. Oficiais da reserva e grupos ligados a ex-integrantes do regime interpretaram a manifestação como um “ato político” e criticaram o fato de a fala ter ocorrido sem consulta prévia ao colegiado.

Nos bastidores, ministros relataram que o clima interno ficou tenso após as declarações de Amaral e a reação de Maria Elizabeth. Apesar da tentativa de minimizar o conflito, o episódio ampliou a percepção de que o STM vive um raro momento de exposição pública de suas divisões internas.

O pedido de perdão, feito em 25 de outubro, marcou os 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog, jornalista torturado e morto nas dependências do DOI-Codi em 1975. Durante o ato, Maria Elizabeth afirmou que “a Justiça Militar reconhece os erros e omissões judiciais cometidos durante o regime” e pediu desculpas “em nome da Justiça Militar da União”. O gesto foi considerado histórico por simbolizar uma ruptura com décadas de silêncio institucional.

O embate entre a presidente e o ministro Amaral reforça que o processo de revisão histórica dentro da Justiça Militar ainda enfrenta resistências. Enquanto parte dos ministros vê no gesto de Maria Elizabeth um passo em direção à reconciliação, outra parcela entende que a presidente extrapolou suas atribuições e politizou a Corte.

O episódio desta terça-feira escancara essa divisão e mostra o quanto o passado ainda pesa sobre as instituições que participaram, direta ou indiretamente, das violações cometidas durante a ditadura militar.

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