Por Leandro Demori, Flávio VM Costa e Alice Maciel
Alvo de operação policial realizada hoje contra um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo postos de combustíveis em Teresina (PI), o empresário Haran Santhiago Girão Sampaio depositou R$ 230 mil na conta bancária de Victor Linhares de Paiva, ex-assessor e aliado político de Ciro Nogueira (PP/PI). O ICL Notícias teve acesso exclusivo ao documento da transação financeira.
O dinheiro foi transferido em 20 de dezembro de 2023 para uma conta aberta por Linhares apenas oito dias antes na fintech BK Bank. A instituição foi apontada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) como peça-chave no esquema de lavagem de dinheiro do PCC (Primeiro Comando da Capital).
A ligação entre o banco e a facção criminosa veio a público na Operação Carbono Oculto, que, em agosto, atingiu empresas e fundos sediados na Faria Lima, em São Paulo.
A comunicação do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), ao qual o ICL Notícias teve acesso, registra que Victor Linhares assim que recebeu o depósito de Sampaio transferiu a quantia para outra conta bancária registrada em seu nome. “Após isso não houve mais nenhuma transação, indicando que a abertura de conta pode ter sido apenas para essa transação”, lê-se no documento.
A movimentação financeira chamou a atenção dos investigadores do Piauí porque coincide com o período em que Haran Sampaio e seu sócio, Daniel Coelho de Souza, venderam a rede de postos de combustíveis HD Petróleo para um fundo de investimentos administrado pela Altinvest Gestão de Administração de Recursos de Terceiros – empresa que também foi alvo da Carbono Oculto.
Sampaio e Souza foram alvos da operação realizada hoje pela Polícia Civil do Piauí, por suspeita de adulteração de combustíveis, fraudes fiscais e lavagem de dinheiro, num esquema semelhante ao identificado pela PF e pelo MP-SP. Victor Linhares não é alvo da operação.
Uma fotografia obtida pela reportagem mostra Haran Sampaio e Victor Linhares juntos com outras pessoas no camarote da Presidência da República instalado na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, durante o desfile do 7 de setembro de 2022. Na época, Ciro Nogueira era ministro da Casa Civil do governo de Jair Bolsonaro.
As ligações entre Victor Linhares e Ciro Nogueira
Aliado político do senador Ciro Nogueira, Victor Linhares ocupa, desde 2 de janeiro, o cargo de Secretário Municipal de Articulação Institucional (SEMAI) de Teresina. Na função, ele é responsável por intermediar, junto ao governo federal e ao Congresso Nacional, projetos e a liberação de verbas destinadas à capital piauiense.
Linhares é vereador licenciado e trabalhou, anteriormente, no gabinete de Ciro Nogueira entre abril de 2018 e março de 2019 e também na liderança do Partido Progressista (PP) no Senado, em 2020.
Em julho deste ano, a Revista Piauí revelou que Victor Linhares recebeu R$ 625 mil, entre dezembro de 2023 e setembro de 2024, do empresário do setor de apostas, Fernando Oliveira Lima, conhecido como Fernandin OIG.
No mesmo período, Paiva repassou R$ 35 mil à conta pessoal do senador Ciro Nogueira. As informações são do Relatório de Inteligência Financeira Relatórios de Inteligência Financeira (os chamados RIFs), acessados pela CPI das Bets, instalada em novembro de 2024 para investigar as empresas de apostas on-line.
À Revista Piauí, o senador afirmou que “o valor era o reembolso de uma reserva de hotel em Capri, na Itália, e que os R$ 625 mil foram o pagamento por um relógio Richard Mille, negociado diretamente entre Fernandin e seu ex-assessor”.
Linhares é apontado por políticos do Piauí ouvidos pela reportagem como “pupilo” de Ciro Nogueira. Em entrevista a um veículo local em agosto do ano passado, o parlamentar disse que vai apoiar a candidatura do seu ex-assessor em 2026 para deputado federal ou estadual.
O secretário era filiado ao PP até março deste ano, quando filiou-se ao União Brasil, que integra junto à sua ex-legenda, a Federação União Progressista.
A venda suspeita de uma rede de postos de gasolina no Piauí
O empresário que transferiu R$ 230 mil a Victor Linhares era dono da rede de postos de combustíveis “Postos HD”, que também foi alvo da Operação da Polícia Civil do Piauí hoje, e é um dos principais grupos empresariais do setor nos estados do Piauí, Maranhão e Tocantins.
A investigação, segundo relatório da Polícia Civil, “foi iniciada após ocorrências sobre adulteração na quantidade de combustível abastecida e buscou explorar possíveis conexões com o crime organizado”. Os investigadores também apontam no relatório “similaridade com a operação Carbono Oculto”.
A principal empresa do grupo, HD Petróleo Ltda, foi aberta em 13 de outubro de 2014 por Haran Santhiago Girão Sampaio e Danilo Coelho de Souza, com o capital social de R$ 200 mil e com cotas divididas igualmente entre ambos.
A rede cresceu e ganhou notoriedade regional. Em dezembro de 2023, a empresa foi vendida para a Pima Energia Participações Ltda. O valor da venda não foi informado no contrato de compra e venda registrado na Junta Comercial do Piauí. Apenas foi informado que o capital social da empresa subiu para 300 mil e que 100% das contas pertencem à Pima Energia.
O que chama atenção, segundo relatório da Polícia Civil do Piauí,é que a Pima Energia foi aberta seis dias antes de comprar a rede de postos HD.
O único sócio da Pima Energia é o Jersey Fundo de Investimento em Participações Multiestratégia, que por sua vez é administrado por uma empresa, também suspeita de lavar dinheiro e, igualmente, alvo da operação Carbono Oculto: a gestora de fundos Altinvest Gestão e Administração de Recursos de Terceiros.
Hub de soluções financeiras, a Altinvest é liderada pelo advogado Rogério Garcia Peres e administra 10 fundos citados pelos promotores na Carbono Oculto. O MP-SP afirma que Peres é um dos responsáveis pelas “dinâmicas fraudulentas envolvendo fundos e a BK Instituição de Pagamento”.
Advogado, Peres também é apontado pela promotoria como “administrador de fundos de investimento, amplamente envolvido com o grupo Mohamad [Mohamed Hussein Mourad], sócio em postos de combustíveis”. Mourad, mais conhecido como “Primo”, é acusado de liderar o esquema de lavagem de dinheiro do PCC, junto a Roberto Augusto Leme da Silva, o “Beto Louco”. Ambos estão foragidos da Justiça.
Após a compra pela Pima Energia, os postos de gasolina da rede “Postos HD” passaram a ser chamados de Rede Diamante. De acordo com a investigação da Polícia Civil do Piauí, há evidências de uso de empresas de fachadas vinculadas às marcas “Postos HD”, “Postos Pima” e “Postos Diamante”, “que tem suspeita de ligação com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC)”.
“As evidências apontam para possível sobreposição de registros ou compartilhamento de estrutura física entre diferentes pessoas jurídicas, indicando manobra para ocultar operações financeiras e dificultar a rastreabilidade de recursos, prática típica de lavagem de capitais”, destacam os investigadores.