Casa Economia‘É privilégio e exclusão’, diz Pastor Henrique Vieira sobre criação da bancada cristã na Câmara

‘É privilégio e exclusão’, diz Pastor Henrique Vieira sobre criação da bancada cristã na Câmara

por Gabriel Anjos
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Por Gabriel Gomes 

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (22) o regime de urgência para o projeto que cria a bancada cristã na Casa. A medida foi proposta pelos deputados Gilberto Nascimento (PSD-SP) e Luiz Gastão (PSD-CE), presidentes das frentes parlamentares evangélica e católica. A urgência foi aprovada com 398 votos favoráveis e 30 contrários.

Segundo a proposta, a bancada será constituída por uma coordenação-geral e três vices-coordenadorias. A bancada poderá ter direito a voz e voto nas reuniões de líderes partidários. Além disso, o órgão poderá usar a palavra por 5 minutos semanalmente em Plenário. Para aderir à bancada, será considerada uma autodeclaração do parlamentar dizendo que professa a fé cristã. Atualmente, a Câmara conta com a bancada negra e a bancada feminina.

Dentre os 30 votos contrários, PSOL e Rede orientaram contrariamente à proposta sob alegação de que o estado é laico e, por isso, o projeto seria inconstitucional. No PT, que orientou a favor, 56 deputados votaram pela urgência e somente o deputado Reimont (PT-RJ) votou contra.

Votação por partido

Votação por partido

Um dos parlamentares que se posicionou de forma contrária ao projeto foi o deputado federal Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ). Henrique Vieira é pastor da Igreja Batista do Caminho e, na Câmara, lidera a Frente Parlamentar em Defesa do Estado Laico e da Liberdade Religiosa.

Henrique Vieira é pastor da Igreja Batista e filiado ao Psol do Rio de Janeiro. (Foto: Câmara dos Deputados/Divulgação)

Ao ICL Notícias, Henrique Vieira falou sobre o seu posicionamento contrário à urgência na tramitação da proposta. Para o deputado, a medida fere o princípio da laicidade do Estado, previsto na Constituição Federal.  “O Estado laico é aquele que respeita a pluralidade religiosa. Como é possível ter uma bancada formal apenas de uma religião? Isso é privilégio e exclusão”, afirmou.

“Eu pergunto: vai haver também uma bancada do Islã? Do Judaísmo? Do Espiritismo? Do Candomblé e da Umbanda? Ou seja, por que a exclusividade de uma bancada cristã se vivemos em um Estado democrático e laico, que respeita a liberdade e a pluralidade religiosas?”, questionou o deputado sobre a proposta.

Leia a entrevista com o deputado Pastor Henrique Vieira:

ICL Notícias – O senhor foi um dos deputados que se posicionou contra a urgência do projeto para a bancada cristã da Câmara. Por que se colocou de forma contrária? 

Pastor Henrique Vieira – Eu pergunto: vai haver também uma bancada do Islã? Do Judaísmo? Do Espiritismo? Do Candomblé e da Umbanda? Ou seja, por que a exclusividade de uma bancada cristã se vivemos em um Estado democrático e laico, que respeita a liberdade e a pluralidade religiosas? Esse é o meu primeiro questionamento.

Em segundo lugar, na justificativa do projeto, eles afirmam que 80% do Brasil é cristão e que esses valores precisam ser representados no Parlamento. Mas quem diz que esses 80% pensam, se posicionam ou votam da mesma forma? Quem fala em nome dessa quantidade enorme de pessoas? Há dentro do cristianismo uma diversidade muito grande: católicos, protestantes históricos, pentecostais, neopentecostais e até pessoas que se consideram cristãs sem estarem vinculadas a nenhuma denominação específica. Dentro do próprio catolicismo e do campo evangélico há uma enorme pluralidade. Portanto, é uma incoerência achar que uma única bancada vai representar todas essas pessoas.

Além disso, uma democracia não se faz apenas pelo exercício da maioria. Esse é um critério, mas também é essencial o respeito à diversidade, às minorias e às garantias fundamentais. Outro ponto: uma bancada formal teria assento no colégio de líderes e tempo de liderança. Só pra ter um parâmetro, as bancadas que hoje existem são a bancada negra e a bancada feminina — dois grupos que sofrem opressões cotidianas, históricas e culturais, e que precisam de políticas públicas de reparação e promoção de direitos. Não é o caso do cristianismo no Brasil. O cristianismo sempre foi uma religião hegemônica. Até a proclamação da República, o Brasil era oficialmente católico, e até hoje é a religião com maior influência cultural dentro das instituições. Ou seja, não precisaria de uma bancada para corrigir uma injustiça histórica ou promover reparação.

Por isso, considero uma medida antidemocrática, voltada muito mais ao privilégio e ao poder, que desrespeita a diversidade. E, sinceramente, não tem nada a ver com espiritualidade ou devoção — tem a ver com poder e privilégio.

E como o senhor interpreta esse avanço, ainda mais considerando que foram 398 votos a favor da urgência?

É uma vitória dessa visão conservadora, que inclusive constrange parte do campo progressista. Mas,  acredito que não podemos abrir mão desse debate com a sociedade, inclusive com o próprio povo cristão. Na minha opinião, a grande maioria entende — e precisa entender — que não é a criação de uma bancada cristã que faz com que a nossa fé transforme a vida das pessoas e do país.

Até do ponto de vista bíblico e teológico, estar ao lado de Cristo não é um projeto de poder para prevalecer sobre os outros. Estar ao lado de Cristo é estender a mão, exercer a misericórdia, partilhar o pão, perdoar e amar. Portanto, não é uma dimensão de poder, é uma dimensão de serviço. E isso implica, inclusive, em renunciar a privilégios.

Espero que o próprio povo cristão perceba que essa proposta não tem nada a ver com Jesus Cristo — tem a ver com um projeto de poder. É uma tentativa de ideologizar as igrejas, o que gera inimizade e hostilidade, coisas que não têm nenhuma relação com Jesus.

O senhor considera que a criação dessa bancada fere o princípio da laicidade do Estado, previsto na Constituição?

Com certeza absoluta. O Estado laico é aquele que respeita a pluralidade religiosa. Como é possível ter uma bancada formal apenas de uma religião? Isso é privilégio e exclusão.

Há alguma possibilidade de reação institucional ou de recorrer ao Judiciário para barrar a proposta?

Em um primeiro momento, nosso foco é mobilizar a sociedade civil, dialogar com a imprensa e conversar com outros deputados, já que o que foi aprovado até agora é apenas o regime de urgência.

Em um segundo momento, vamos estudar as medidas cabíveis do ponto de vista jurídico, porque me parece uma incoerência com o princípio de um Estado laico, democrático e plural, que deve respeitar a diversidade do povo brasileiro.

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