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Governo Lula acerta em mudar tom na comunicação nas redes, diz analista

por Laura Kotscho
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Por Laura Kotscho

“A esquerda levou uma surra nas redes sociais.” Foi assim que o presidente Lula classificou a comunicação do campo progressista nas eleições de 2022. A fala, feita durante o 16º Congresso Nacional do PCdoB, na quinta-feira (16), sintetiza um diagnóstico que há tempos é consenso entre militantes e analistas: a esquerda demorou a compreender a lógica das plataformas digitais — um terreno que a extrema direita aprendeu a dominar com velocidade.

Mas esse cenário começou a mudar. Desde a troca de comando da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) em janeiro, com a saída de Paulo Pimenta e a chegada de Sidônio Palmeira, a presença do governo federal nas redes ganhou um novo tom. As postagens deixaram de ser institucionais e engessadas e passaram a adotar uma linguagem mais leve, visual e integrada à cultura digital: memes, imagens de gatinhos, vídeos curtos com humor e até pegadinhas passaram a fazer parte da estratégia oficial.

Um exemplo foi o post do “teste de fidelidade”, estrelado por João Kléber, em que o apresentador — conhecido pelo programa homônimo — testava a “fidelidade dos brasileiros ao Brasil”. O vídeo viralizou e ultrapassou 4 milhões de visualizações.

O perfil do governo também criou quadros fixos como “Explicando com gatinhos” ou “Explicando com cachorrinhos”, em que temas complexos — como impostos ou vacinação — são traduzidos de forma lúdica e acessível.

Outra estratégia são os vídeos de pegadinhas clickbait, como um que simula um experimento colocando ferro quente na neve para capturar a atenção do público. Mas antes de o truque se revelar, o vídeo entrega uma mensagem institucional. O curioso é que, muitas vezes, o usuário que está rolando a página nem percebe que parou em um conteúdo do governo.

O resultado foi imediato. Em apenas um ano, o perfil @govbr no Instagram teve um aumento de 334% no volume de interações, segundo levantamento do analista de redes Pedro Barciela. No TikTok, plataforma favorita de jovens das gerações millennial e Z, o salto foi ainda mais expressivo: 1.000% de crescimento no mesmo período.

Engajamento da conta do Governo Federal no TikTok cresceu 1000% em um ano / Foto: Gráfico de Pedro Barciela

Engajamento da conta do Governo Federal no Instagram cresceu 334% em um ano / Foto: Gráfico de Pedro Barciela

Falar como a internet fala

Para Barciela, o ponto de virada foi entender que não são as redes que precisam se adaptar ao Governo, mas sim o governo que precisa se adaptar às redes.

“O conteúdo institucional não pode ignorar o jeito como as pessoas já se comunicam ali dentro”, explica. “O que mudou foi a compreensão de que é o governo quem precisa se adaptar às redes, às mais variadas plataformas e às características de cada algoritmo. Cabe ao governo, enquanto ator que tem algo a informar, adaptar-se aos elementos específicos de cada plataforma para que sua mensagem chegue ao maior número de usuários possível.”

Essa mudança de mentalidade rompeu com a antiga lógica da “vitrine”, quando as redes oficiais serviam apenas para divulgar números e balanços. “Os usuários não querem alguém que entra fora do tom, desconectado daquele contexto”, afirma. “A mudança no formato e na linguagem busca corrigir justamente essa lacuna: entender em qual sala estamos entrando (a plataforma), o que as pessoas gostariam de falar (o algoritmo) e como elas gostariam de escutar (a linguagem)”, explica Barciela.

Linguagem e timing das redes

O sucesso da nova estratégia, segundo Barciela, está na capacidade de reconhecer as limitações do que vinha sendo feito e adotar uma linguagem própria das redes. “O segredo foi compreender que cada plataforma tem uma lógica própria e que é preciso traduzir a mensagem pública para a linguagem e o ritmo de cada uma delas.”

Hoje, as páginas do governo apresentam elementos da cultura digital, memes no timing correto e tentativas, muitas vezes acertadas, de explorar conteúdos virais, o que, para o analista, permite que as mensagens e dados do governo cheguem a um público muito mais amplo.

Nos últimos meses, a estratégia digital também passou a dialogar diretamente com pautas do cotidiano. Durante mês de setembro, quando o Brasil passava pelo pior momento de tensão com os Estados Unidos, a conta oficial lançou uma série de vídeos curtos sobre soberania brasileural, misturando humor e empatia, com participações de influenciadores. Em outra frente, o perfil resgatou expressões populares, como “cringe”, “deu match” e “chá revelação” para apresentar dados sobre emprego, educação, programas sociais e projetos de lei.

Além disso, a equipe passou a surfar nas ondas da cultura pop para se aproximar do público. Um bom exemplo foi o remake da novela “Vale Tudo”, que acabou semana passada e virou febre nas redes, com todo mundo discutindo “quem matou Odete Roitman?”. O governo aproveitou a repercussão para criar posts conectando a trama a assuntos do dia a dia, como a tributação dos super-ricos ou a PEC da segurança pública, transformando o agito da novela em uma forma divertida de engajar e informar.

Para além da polarização

Barciela aponta ainda uma mudança estratégica importante: o foco em furar a bolha da militância. “O governo entendeu que precisava pensar para além da lógica da polarização nas redes sociais e não poderia contar apenas com o seu cluster de apoio — parlamentares e movimentos de esquerda — como único campo disposto a disseminar os conteúdos produzidos. Mirar em um conteúdo que dialogasse também com quem está de fora foi essencial para criar novas pontes.”

Essa tentativa de aproximação foi justamente o ponto destacado pelo presidente durante o congresso do PCdoB: “Muitas vezes, eu acho que a nossa linguagem, o nosso discurso, está muito distante do nível de compreensão de milhões e milhões de pessoas que gostariam de nos escutar”, afirmou Lula, defendendo que a esquerda precisa reaprender a falar com o povo.

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