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O Brasil deve se tornar, em 2025, o quinto maior mercado de apostas online do mundo, as chamadas bets, movimentando US$ 4,139 bilhões (cerca de R$ 22 bilhões), segundo dados da consultoria internacional Regulus Partners obtidos com exclusividade pela reportagem BBC News Brasil. O salto coloca o país atrás apenas de Estados Unidos, Reino Unido, Itália e Rússia — e à frente de mercados tradicionais no setor.
O crescimento é ainda mais impressionante considerando que, até 2024, o setor operava em solo brasileiro sem regulamentação formal. A legalização das apostas online ocorreu em 2018, mas somente em 2024 foram estabelecidas as regras que definem como as bets podem atuar.
Mesmo assim, os números do primeiro semestre de 2025 já indicam um faturamento de R$ 17,4 bilhões apenas entre as empresas hoje autorizadas a operar, de acordo com a Secretaria de Prêmios e Apostas. O cenário marca a primeira vez em que o Brasil figura entre os maiores mercados globais no levantamento da Regulus.
Como as bets dominaram o Brasil
Diversos fatores se alinharam para impulsionar o mercado brasileiro. Para especialistas, o avanço tecnológico, a popularização do Pix e o alto grau de bancarização digital foram decisivos para tornar a aposta um hábito acessível — e cotidiano.
“O brasileiro faz a aposta do sofá, com o celular no bolso. Os custos de transação foram praticamente eliminados”, disse à BBC o economista Victo Silva, da Harvard Kennedy School. Para ele, o ambiente criado pelas plataformas de apostas online é altamente intuitivo, gamificado e sedutor — diferente da tradicional visita à lotérica.
Além disso, o sucesso da modalidade foi favorecido pela longa proibição dos jogos de azar no Brasil, que criou uma espécie de demanda reprimida. Quando as bets surgiram, passaram a oferecer um “novo” tipo de entretenimento, agora digital e sem barreiras físicas. “É um produto que caiu como uma luva para o brasileiro conectado e apaixonado por futebol”, analisa André Gelfi, diretor da Betsson e presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR).
O futebol, aliás, tornou-se o maior vetor de popularização. Das 20 equipes da Série A do Brasileirão, 18 exibem marcas de apostas em seus uniformes. Os cinco principais contratos somam mais de R$ 596 milhões, com destaque para a Betano (R$ 220 milhões ao Flamengo) e a Superbet (R$ 113 milhões ao São Paulo).
ICL fez série documental mostrando os riscos das bets
O ICL (Instituto Conhecimento Liberta) fez uma série documental chamada “Bets: o jogo sujo que ninguém comenta”, alertando para os riscos desses jogos. Você pode assistir a todos os episódios clicando aqui.
O governo do presidente Lula (PT), responsável pela regulamentação das apostas online, tentou elevar a taxação das plataformas de 12% para 18%, mas o Congresso deixou a MP (medida provisória) caducar. A expectativa é de que o governo insista na proposta, conforme antecipou o líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (PT-AC).
Um levantamento do Banco Central revelou que mais de 5 milhões de pessoas beneficiárias do Bolsa Família usaram o Pix para enviar dinheiro a casas de apostas. A situação levou o STF (Supremo Tribunal Federal) a determinar restrições ao uso desses recursos — implementadas apenas em outubro de 2025.
Como o lobby das plataformas tem sido forte no Congresso, especialistas defendem regulação mais robusta e proativa contra as bets, similar ao que ocorreu com a publicidade do cigarro, que foi proibida.
Enquanto isso, tramita no Congresso um projeto de lei que propõe restrições mais severas à publicidade de apostas, incluindo a proibição de influenciadores, artistas e atletas em campanhas. Aprovado no Senado em maio de 2025, o texto está parado na Câmara dos Deputados.
Os passos que levaram o Brasil ao top 5
1. Regulamentação tardia, mas permissiva
A legalização das apostas esportivas aconteceu em 2018, mas a regulamentação só veio em 2024.
Durante esses sete anos sem regras claras, as empresas de apostas atuaram livremente, implementando estratégias de marketing agressivas e dominando o mercado antes mesmo de serem oficialmente reguladas. Isso transformou o Brasil em uma espécie de laboratório das bets.
2. Crescimento da bancarização e do Pix
O Pix, sistema de pagamento instantâneo e gratuito, facilitou depósitos e saques rápidos, eliminando barreiras operacionais comuns em outros países. A alta taxa de bancarização digital da população também contribuiu: o brasileiro já está acostumado a fazer transações pelo celular.
3. Cultura digital e abertura à tecnologia
O brasileiro é um consumidor altamente digitalizado, com forte presença em redes sociais, aplicativos e plataformas de entretenimento. Esse perfil foi crucial para a rápida adesão às plataformas de apostas, que são todas digitais e com interfaces gamificadas, intuitivas e envolventes.
4. Demanda reprimida e histórico de proibição
O Brasil viveu mais de 80 anos com jogos de azar proibidos. Isso gerou uma demanda reprimida por esse tipo de entretenimento. Quando as bets surgiram como opção legalizada e acessível via celular, a resposta foi imediata e em larga escala.
5. Marketing massivo e associação com o futebol
As casas de apostas investiram pesado em publicidade e patrocínio, especialmente no futebol, a maior paixão nacional. Hoje, 18 dos 20 clubes da Série A do Brasileirão estampam marcas de bets nas camisas. Essa exposição intensa ajudou a “normalizar” o ato de apostar, tornando-o parte do cotidiano de torcedores e consumidores.
6. Pandemia como aceleradora
Durante os lockdowns da Covid-19, o consumo digital explodiu. Com o esporte como um dos poucos entretenimentos possíveis, as apostas ganharam ainda mais força. Foi nesse período que muitos brasileiros começaram a apostar com frequência, hábito que se consolidou nos anos seguintes.
7. Resultado: salto de US$ 300 milhões para US$ 4,1 bilhões
Em 2014, o mercado brasileiro de apostas era estimado em US$ 300 milhões. Em 2025, o número deve chegar a US$ 4,139 bilhões, colocando o país como 5º maior mercado do mundo, atrás apenas de EUA, Reino Unido, Itália e Rússia.