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Por Manuela Borges
A ExpoCannabis Brasil chega à sua 3ª edição, entre os dias 14 e 16 de novembro de 2025, no espaço São Paulo Expo, consolidada como o maior evento da indústria da Cannabis na América Latina. Mais do que uma feira de negócios, o encontro combina ciência, inovação, cultura, sustentabilidade e políticas públicas em torno de uma planta que ainda enfrenta estigmas, mas que movimenta economias inteiras mundo afora.
A edição anterior reuniu cerca de 36 mil visitantes e mais de 180 expositores. Este ano, a expectativa é de 45 mil pessoas visitem a feira ao longo dos três dias de evento, com a participação confirmada de 262 empresas nacionais e internacionais. Em relação a 2024, o crescimento é de 7%.
“A ExpoCannabis é um marco na América Latina. Já temos ‘sold out’ dos espaços para expositores e até fábricas chinesas estão confirmadas para esta edição. É a grande novidade desse ano. Isso mostra que o mercado brasileiro está sendo observado com interesse global. Ao todo, 14 países estarão presentes na feira”, afirma Larissa Uchida, CEO da ExpoCannabis.
Com a presença inédita de fábricas chinesas expositoras — especializadas em laboratórios de extração, embalagens e equipamentos de cultivo, a edição de 2025 reforça a internacionalização do evento e o papel do Brasil como plataforma estratégica para a expansão do mercado latino-americano.
De acordo com Larissa, o evento já se tornou um ambiente de negócios B2B (Business-to-Business), onde transações comerciais ocorrem entre empresas, em vez de envolver diretamente o consumidor final. “A ExpoCannabis se tornou uma vitrine para quem quer investir, pesquisar ou empreender nesse setor”, explica Uchida.
Lorena Uchida, CEO da ExpoCannabis (Foto: Divulgação)
Mercado bilionário e desafios regulatórios
Estudos indicam que uma regulamentação ampla da Cannabis — abrangendo os usos medicinal, industrial e adulto — pode movimentar até R$ 26 bilhões em apenas quatro anos e gerar cerca de 330 mil empregos diretos no país. Os dados são do anuário Kaya Mind. Segundo o levantamento, só o segmento industrial, voltado ao cânhamo (uma cepa da Cannabis sem efeitos psicoativos e cultivada para fins industriais), tem potencial de girar R$ 4,9 bilhões.
Apesar do avanço recente de decisões judiciais, como o acórdão do Superior Tribunal de Justiça que determina à União regulamentar o cultivo da planta para fins farmacêuticos, o ambiente regulatório ainda é considerado incerto. De forma reiterada, a Anvisa e o Ministério da Saúde postergam o anúncio das regras, que seguindo a determinação da segunda maior corte do país, já deveriam estar ativas desde novembro de 2024.
Para Uchida, a insegurança jurídica afasta investimentos e impede o Brasil de ocupar um papel de liderança na bioeconomia global, uma vez que a planta não é apenas medicinal, mas captura mais gás carbônico do que dispersa, e pode ser utilizada como um insumo sustentável e biodegradável em diversos setores da cadeia industrial.
“Qualquer tipo de regulamentação trará abertura para o país e impactará positivamente no setor. Mas ela precisa ser ampla, contemplando a planta em sua totalidade”, defende a empresária. “Essa articulação deve envolver diversos ministérios — da Saúde, Agricultura, Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico e até Relações Exteriores — para que o país construa uma política integrada que retroalimente toda a cadeia produtiva da Cannabis”, observa a CEO.
Nesta edição, o tema central é: “Cultivar para florescer” e reflete o esforço do debate intersetorial, reunindo representantes de órgãos públicos, pesquisadores e movimentos sociais. Ao todo, são três espaços de conhecimento: Fórum Internacional, Congresso Cannabis é Medicinal — Dr. Elisaldo Carlini e Espaço de Network.
Entre os palestrantes confirmados estão a secretária nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) do Ministério da Justiça, Marta Machado, a primeira deputada federal transexual negra eleita, Érika Hilton (PSOL-SP) e o diretor de jornalismo do ICL Notícias, Leandro Demori, para citar alguns nomes de peso.
Desde a primeira edição, a ExpoCannabis mantém o compromisso de pluralidade e inclusão. “Metade dos nossos palestrantes são mulheres, e fazemos questão de dar voz às pessoas negras, indígenas, pesquisadores e organizações sociais”, defende Uchida. “A diversidade é o que garante que todos os nichos — medicinal, adulto, cultural e industrial — estejam representados e tenham visibilidade”, argumenta a organizadora do evento.
A feira também se firmou como espaço de difusão científica. Em 2024, a organização recebeu 98 trabalhos acadêmicos e selecionou 15 pesquisas para exposição no palco “Arena Medicinal”. Para 2026, além de manter o edital aberto, a ExpoCannabis lançará sua revista científica própria, destinada a publicar as descobertas mais inovadoras do setor.
Comunicação e mudança cultural
Um dos grandes desafios do setor da Cannabis, segundo Uchida, é “furar a bolha” e levar o tema a públicos ainda distantes do debate. “Nossa estratégia nunca foi comunicar para quem já sabe o que é maconha. Queremos chegar a quem não faz ideia dos múltiplos usos: medicinal, industrial, tecnológico e ambiental”, enumera.
A CEO cita casos emblemáticos: “Ano passado, encontrei no evento uma senhora de quase 90 anos, que disse ter vindo porque viu a ExpoCannabis no jornal. E ficou encantada ao descobrir que da planta se faz tecido, alimento e até tijolo. É esse público que queremos atingir”.
Para isso, a equipe aposta em parcerias com grandes veículos de imprensa, tráfego pago nas redes sociais — enfrentando ainda barreiras de censura e derrubada de conteúdos — além de ativações urbanas, como as realizadas na Vila Madalena, em São Paulo, por exemplo.
A ExpoCannabis é também referência em sustentabilidade. O evento ostenta o selo GHG Protocol, que estabelece uma estrutura padronizada para que diferentes organizações meçam e reportem suas emissões de gases de efeito estufa de maneira consistente. Esse certificado só é concedido a grandes corporações, que certificam a medição e compensação integral das emissões de carbono.
Para se ter uma ideia, em 2023, a ExpoCannabis registrou a emissão de 2,95 toneladas de CO₂ e 110% delas foram compensadas por meio do cultivo de Cannabis em parceria com a Associação Cultive (SP). Já na segunda edição, as emissões foram da ordem de 7,07 toneladas de gás carbônico e a compensação foi de 8,2 toneladas.
“Somos a primeira feira do mundo a compensar emissões com o plantio de Cannabis. A planta absorve 70% mais CO₂ do que outras culturas, e isso mostra o potencial ambiental do setor. Utilizamos metodologia de referência internacional para quantificar e neutralizar gases de efeito estufa”, afirma Uchida.
Além das compensações, o evento adota medidas de gestão de resíduos, reciclagem e energia auditadas por empresas independentes. O público também participa de iniciativas sociais, como o ingresso solidário, que arrecada alimentos para comunidades vulneráveis. Em 2024, mais de 25 toneladas foram doadas a entidades que atendem pessoas carentes.
“Nosso papel é conectar ciência, negócios, bioeconomia e cultura e, principalmente, educar. O futuro da Cannabis no Brasil depende de informação de qualidade e de uma regulamentação que enxergue o todo. Estamos apenas começando”, conclui Larissa Uchida.
Além dos pacotes de alimentos não perecíveis que são arrecadados ao logo do evento, quem chegar ao pavilhão 7 e 8, do tradicional centro de exposições SP Expo, já vai se deparar com o tradicional ‘jardim de flores’, são cerca de 70 plantas da Cannabis, expostas sob redomas, com autorização sanitária e judicial. O objetivo é desmistificar e mostrar que essa planta tão demonizada há quase um século não passa de um vegetal multiuso e com propriedades medicinais incríveis.
Universo do cânhamo
Lucas Ezias de Abreu, fundador da marca LABbambu, que utiliza bambu e cânhamo (Foto: Divulgação)
O público ainda vai se deparar com soluções inusitadas. O Lucas Ezias de Abreu, fundador da marca LABbambu, que utiliza bambu e cânhamo em produtor inovadores é um dos expositores confirmados.
O pesquisador, que se debruça há 10 anos em estudos sobre os multiusos dessas plantas, vai criar uma instalação toda feita de bambu e cânhamo para promover educação. Entre as novidades que serão apresentadas dentro do espaço “Universo de cânhamo” uma bicicleta ecológica com a estrutura de bambu e os conetores de cânhamo e mamona.
Uma prótese de perna mecânica feita com o mesmo material e um skate também produzido com a fibra da planta ainda não regulamentada no Brasil também estarão à disposição do público.
“A ideia é promover o slogan ‘não compre, plante’. Em vez de comprar uma bicicleta feita de metal que precisa desmatar a vegetação, promover a mineração, contaminar rios e queimar muito gás carbônico, é possível fazer isso por meio de um processo inverso. As pessoas não sabem, mas tanto os cultivos da Cannabis, assim como do bambu, têm capacidade de regenerar solos degradados, porque eliminam metais pesados, recompõem a vitalidade do solo e evitam erosões”, ensina o empreendedor.
Então, nossa missão é educar para que as pessoas possam consumir de forma mais sustentável. Ou seja, colha a sua própria bicicleta”, completa.
O cânhamo pode ser usado na fabricação de bioplásticos (Foto: Divulgação)
Bioplástico como solução
Outro destaque desta edição da ExpoCannabis será o espaço da indústria FHB Company Ltda, que vem se consolidando como pioneira no uso do cânhamo como base para polímeros biodegradáveis no Brasil. Há cinco anos, a empresa realiza testes e desenvolve composições que incorporam fibras de cânhamo a materiais plásticos, como PEAD (Polietileno de Alta Densidade) e PP (Polipropileno), reduzindo o impacto ambiental dos derivados do petróleo.
Sob a liderança de Fábio Bracale, CEO da empresa e pesquisador independente, a FHB tem buscado referências em experiências internacionais e já apresenta linhas completas de produtos sustentáveis, incluindo baldes, copos, bandejas, talheres, pratos e cuias produzidos com polímeros de cânhamo.
“A iniciativa alia inovação industrial e compromisso ambiental, apontando caminhos para uma economia mais verde e circular. A ideia é educar o público e mostrar que a planta é 100% aproveitável. Nós temos parcerias com associações de pacientes — que têm autorização da justiça para cultivar. O caule da planta, que é desprezado na hora da colheita, é triturado e seu composto vira matéria-prima para a produção de um plástico mais sustentável e não poluente”, conclui o empresário.