Casa EconomiaAritmética da vingança: como 251 votos derrubaram R$ 17 bi do Orçamento

Aritmética da vingança: como 251 votos derrubaram R$ 17 bi do Orçamento

por Jorge Mizael
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A cena é precisa: na última terça (07/10), a Comissão Mista aprovou por 13 votos favoráveis e 12 contrários a MPV 1.303/2025, após uma sequência de concessões — isenção preservada para LCI/LCA, retirada do aumento sobre bets, ajuste nos Juros sobre Capital Próprio (JCP) e unificação da alíquota de aplicações em 18%. Horas depois, no Plenário da Câmara, a oposição impôs a retirada de pauta por 251 votos a 193. À meia-noite desta quinta (09/10/2025), a MPV caducou.


O governo já havia rebaixado a projeção de arrecadação após negociar na comissão; agora fica sem a peça que compensaria a revogação do decreto do IOF.


A coreografia política revela duas forças que se reforçam: um Executivo que cede para tentar compor maioria e uma Câmara em que incentivos eleitorais e fisiológicos superam o ajuste fiscal. Medidas Provisórias, tradicionalmente o motor do processo decisório no Brasil, tornam-se armadilhas: a base negocia, abre mão, e a conta não se traduz em votos. Os números corroboram: no Lula 3, apenas 22% das MPVs viraram lei, contra 90,7% em Lula 1 e 84,95% em Lula 2; Temer e Bolsonaro operaram com 54,07% e 57,75%, respectivamente.

O rito

A MPV nasce no Executivo, vai à Comissão Mista (deputados e senadores), ganha parecer e segue para votação nos Plenários da Câmara e, posteriormente, do Senado — tudo contra um relógio que, se zerar, a faz caducar. Esse mecanismo, que historicamente acelera a agenda governamental, exige engenharia de maioria e contagem de votos antecipada; concessões custosas sem garantia de Plenário criam o clássico “ceder para perder”.

O conteúdo

Após negociação na Comissão Mista, a MPV unificava em 18% o Imposto de Renda sobre aplicações financeiras a partir de 1º de janeiro de 2026; aumentava a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para parte das instituições de pagamento (fintechs); retirava o aumento de alíquota para bets; preservava as isenções de LCI/LCA; e criava um RERCT específico para regularizar receitas pretéritas de apostas.

Por que importava

O governo projetava R$ 17 bilhões de arrecadação em 2026 após as concessões — abaixo dos R$ 20,8 bilhões originais —, valor essencial para evitar bloqueios e cumprir a meta fiscal. Com a caducidade, o Executivo precisará bloquear despesas em 2025 e buscar R$ 35 bilhões adicionais em 2026 por outras vias (cortes, aumento de IPI ou IOF por decreto), reabrindo uma disputa política e jurídica que expõe o dilema entre responsabilidade fiscal e sobrevivência legislativa.

Fragilidade estrutural do governo

Em Lula 3, foram 150 MPVs: 33 transformadas em norma e 117 prejudicadas (22% de sucesso). Nos governos anteriores, a taxa foi Lula 1 (90,7%), Lula 2 (84,95%), Dilma 1 (74,13%), Dilma 2 (77,92%), Temer (54,07%) e Bolsonaro (57,75%). O desvio é estrutural, não episódico — sinal de erosão da capacidade de construir maiorias de modo previsível.

A lógica parlamentar

“Responsabilidade fiscal” rende bons discursos, mas a verdadeira moeda de troca — controle da pauta, emendas, nomeações e agendas regulatórias — incentiva bloquear receitas quando isso eleva o custo político do governo ou rende dividendos eleitorais. A retirada de pauta por 251×193 ilustra essa racionalidade: vencer o governo hoje rende narrativa e poder de negociação amanhã.

Concessões que não convertem

Manter LCI/LCA isentas, retirar o aumento das bets, calibrar o JCP e unificar aplicações em 18% buscou reduzir resistências setoriais e partidárias — mas não produziu votos suficientes para aprovação no Plenário da Câmara. O relator reconheceu ter atendido reivindicações sem reciprocidade; a oposição comemorou a “vitória contra impostos”; líderes governistas apontaram interferência política extra-Câmara.


Resultado: o governo pagou o preço das concessões, não recebeu os votos — e ainda perdeu a arrecadação.

Notas conclusivas

A queda da MPV 1.303/2025 não é um raio em céu azul: é o padrão de um governo que concede sem garantir maioria e de uma Câmara que monetiza o bloqueio sob o manto da “responsabilidade fiscal”. Sem mecanismos que condicionem concessões a votos, e sem estratégia para reduzir a distância entre Câmaras, a agenda tributária seguirá refém de incentivos de curto prazo. A estatística é teimosa: 22% de efetividade em MPVs no Lula 3, a pior marca da série recente.

A teoria explica o mecanismo, mas a política explica o fracasso: num ambiente radicalizado e bicameral, caducar deixou de ser acaso — é o castigo de quem negocia primeiro e conta votos depois.


O governo errou a aritmética: cedeu na comissão e perdeu no Plenário. E a Câmara, travestida de guardiã do equilíbrio fiscal, sacrificou R$ 17 bilhões em receita para encenar virtude e colher dividendos eleitorais.


No fim, a vingança pesou mais que o ajuste — e o déficit não é fiscal, é político.

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