Casa EconomiaTarcísio descumpre acordo e não paga a servidores da Saúde bônus com o qual privilegia PMs

Tarcísio descumpre acordo e não paga a servidores da Saúde bônus com o qual privilegia PMs

por Felipe Rabioglio
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Por Paulo Batistella – Porte Jornalismo

Trabalhadores vinculados à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo entraram em greve na última semana após a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) descumprir um acordo para que fosse paga a eles a chamada “bonificação por resultados”. Trata-se de um bônus com o qual o governador já distribuiu mais de R$ 2,86 bilhões no mandato em privilégio de policiais militares e em detrimento de outros servidores, conforme a Ponte revelou há quatro meses com uma série especial de reportagens.

A greve teve início na quarta-feira (1º) e durou 48 horas, convocada pelo Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde do Estado de São Paulo (SindSaúde-SP). Em reunião com a entidade em 17 de julho, a gestão Tarcísio afirmou que faria o pagamento da bonificação aos servidores da Saúde no quinto dia útil de setembro — o que não cumpriu. O governador Tarcísio também deixou de apresentar uma proposta de reajuste do auxílio-alimentação, outra reivindicação da categoria — o benefício está hoje em R$ 12.

O SindSaúde-SP pretendia realizar a greve já em julho, mas a adiou em função do compromisso assumido pelo governador Tarcísio. Na última segunda (29/9), a entidade sindical foi convocada para uma nova reunião, em mais uma tentativa da gestão estadual de conter a paralisação. Desta vez, o governo sequer deu prazo para pagar a bonificação. Estiveram no encontro representantes da Casa Civil, que auxilia diretamente Tarcísio, e das secretarias de Saúde, Gestão e Governo Digital, e Fazenda.

“Eles disseram: ‘Olha, nós não pagamos o bônus porque não temos dinheiro, não damos um aumento no vale-alimentação porque não temos dinheiro. A Secretaria da Fazenda está correndo atrás. Quando tivermos dinheiro, vamos pagar’”, diz o presidente do SindSaúde-SP, Gervásio Foganholi, à Ponte.

Tarcísio distribuiu valor 367 vezes maior para a PM

Os trabalhadores da Saúde, que somam 45 mil pessoas, estão entre os mais desprestigiados pelo governo no pagamento da bonificação por resultados. Eles representam 8,7% do funcionalismo paulista, mas, até junho deste ano — quando a Ponte publicou a série sobre o “Bônus do Tarcísio” —, haviam recebido 0,08% do que o governador distribuiu com o benefício, ou seja, R$ 2,1 milhões de um total de R$ 2,71 bilhões.

A título de comparação, também até junho, a Polícia Militar paulista (PM-SP) já havia abocanhado 30,5% do dinheiro pago por Tarcísio com a bonificação (o equivalente a R$ 827 milhões), ainda que a corporação corresponda a 15,8% dos servidores do Estado (82 mil de um total de 519 mil pessoas).

Em um cenário hipotético no qual o governador tivesse repartido os gastos com bonificação de modo equivalente à representatividade de cada órgão, a PM-SP teria recebido R$ 399 milhões a menos. Já os servidores da Saúde teriam tido direito a R$ 235 milhões a mais no mandato de Tarcísio.

Desde junho, o governador desembolsou mais R$ 154,6 milhões com a bonificação. A maior parte disso foi para policiais civis (R$ 125,2 milhões) e técnico-científicos (R$ 20,9 milhões), também preteridos em relação aos policiais militares. A PM-SP, que já havia recebido R$ 386,4 milhões no primeiro semestre deste ano, ficou com mais R$ 2,4 milhões. A Saúde recebeu R$ 164 mil nesse intervalo de três meses.

Ou seja, em valores atualizados até a última quinta-feira (2/10), Tarcísio já repassou R$ 829,7 milhões aos PMs — valor 367 vezes maior do que o bônus já cedido à Saúde em todo o mandato (R$ 2,3 milhões).

‘Governo que privilegia militares’

Em junho, Tarcísio já havia causado insatisfação dos trabalhadores da Saúde ao sancionar um reajuste salarial de 5% para eles, ocasião em que parte dos servidores sequer teve um ganho real com a medida.

Há casos de técnicos de enfermagem, por exemplo, que tiveram o aumento incorporado ao salário-base, mas que, por outro lado, obtiveram um desconto de igual proporção no valor recebido a título de complemento do Piso Nacional da Enfermagem — ou seja, o governo passou a pagar mais por um dos itens que compõem o salário, mas enxugou um outro, mantendo a remuneração final idêntica.

Os reajustes concedidos pelo governador no mandato também evidenciaram a prioridade dada aos militares: ainda no primeiro ano de Tarcísio, a PM-SP obteve aumentos que variaram de 13,71% a 34,24%.

“É um governo que privilegia militares, todos os altos cargos são ocupados por militares”, diz Gervásio, do SindSaúde-SP. “No caso da Saúde, a prioridade dele é fazer negócios: todo dia tem a entrega de algum equipamento público para uma organização social (OS). A lógica dele não é ter um serviço público estatal, com gestão feita pela administração direta, com concurso público. A lógica é entregar cada equipamento para uma empresa e deixar ela contratar profissionais, sem controle social.”

Governador Tarcísio prometeu acordo para servidores da Saúde e não pagou, já os militares receberam 367 vezes mais (Foto: Pablo Jacob / Governo do Estado de SP)

Bônus tem margem para manipulação e uso político

Os servidores da Saúde tentam receber agora o bônus relativo a metas cumpridas em 2024. Os objetivos que eles teriam de perseguir naquele ano foram definidos pelo governo, no entanto, somente em 29 de agosto de 2025, com uma deliberação publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo (DOE-SP).

A Ponte já havia revelado que esse tem sido o padrão de Tarcísio na distribuição da bilionária bonificação: estabelecer os resultados a serem atingidos só depois de quando teriam de ser conquistados, o que, evidentemente, abre margem para a manipulação do pagamento, já que o governo pode saber, na altura em que define as condições, se elas foram ou não cumpridas.

Até junho deste ano, o governo Tarcísio já havia definido objetivos para 51 períodos diferentes, envolvendo 39 secretarias e autarquias distintas, conforme identificou a Ponte no DOE-SP. Em todos esses casos, os resultados esperados foram pactuados apenas depois do prazo no qual teriam de ser atingidos. O governador voltou a repetir essa prática com mais órgãos desde então.

Privilégio a PMs atende projeto de militarização do Estado, dizem especialistas

No caso da PM-SP, além de definir metas a posteriori, o governador e seu secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP), impuseram até aqui objetivos que não levam em conta o combate a crimes como tráfico de drogas, estupro, estelionato, sequestro, desaparecimento forçado, lesão corporal seguida de morte e posse ilegal de arma de fogo, entre outros.

Especialistas e servidores ouvidos pela Ponte já afirmavam ver robustos indícios de que o bônus tem sido usado não como um incentivo por méritos e para a eficiência da máquina pública, mas de modo arbitrário e político — ou seja, como um agrado a uma das bases do governador no estado e também como um aceno ao eleitorado que preza pela militarização da máquina pública.

Os servidores desprestigiados também apontavam que a bonificação é usada pelo Estado como um subterfúgio para não repor perdas salariais e que costuma ser paga a depender do contexto político e eleitoral. Os trabalhadores da Educação, por exemplo, tiveram o bônus de 2024 pago em 25 de abril deste ano, quando o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), a principal entidade sindical da rede estadual de ensino, previa já há três semanas realizar uma greve.

Saúde já foi esquecida em anos anteriores

Para a maioria dos servidores estaduais, a bonificação por resultados é hoje prevista pela lei complementar 1.361, sancionada em 2021, em meio a uma reforma administrativa conduzida por João Doria (PSDB). Apenas os policiais militares, civis e técnico-científicos têm uma regulamentação própria, com a lei complementar 1.245, de 2014, aprovada no governo Geraldo Alckmin (ex-PSDB e atual PSB).

A principal diferença entre elas é que, no caso da Segurança Pública, são avaliados resultados bimestralmente, e não anualmente — ou seja, os policias têm seis, e não apenas uma chance de bater metas e ganhar o bônus. Não há na legislação um calendário unificado de pagamento, o que faz com que algumas secretarias tenham um rito mais rápido do que outras. A PM-SP também é privilegiada nisso.

Ambas as leis definem que, além das metas — de responsabilidade de uma Comissão Intersecretarial da Bonificação por Resultados (CIBR) —, deve ser publicada no DOE-SP uma nota técnica com a apuração dos resultados que foram atingidos, para que o governo possa proceder com o pagamento. Os servidores da Saúde sequer tiveram a publicação desse documento até aqui.

Desde a lei sancionada por Doria, a Secretaria de Saúde só definiu e apurou resultados de 2023. A publicação da nota técnica daquele ano, para viabilizar o pagamento, ocorreu apenas em 15 de janeiro de 2025, após longa mobilização do SindSaúde-SP. Bonificações relativas a 2021 e 2022, quando os servidores puseram a vida em risco em função da pandemia de Covid-19, nunca foram pagas.

A título de comparação, mesmo com demora, os resultados de 2023 da Segurança Pública, incluindo os da PM, foram consolidados seis meses antes que os da Saúde, em junho do ano passado. A SSP também já pagou metas relativas a 2024. Em anos anteriores, os policiais também foram recompensados.

Tarcísio não divulga quanto paga de bônus a cada servidor

A Ponte também revelou que, no governo Tarcísio, a bonificação por resultados tem sido paga sem transparência sobre dados simples, como o número de pessoas contempladas e o valor ao qual cada uma teve direito. O Portal da Transparência do Poder Executivo paulista mostra apenas dados totais de quanto foi empenhado, liquidado e pago com o bônus de 2022 para cá, sem detalhar, por exemplo, qual período de metas cumpridas está contemplado pelos valores ali mencionados.

A divisão da bonificação cedida a cada secretaria não é igualitária entre os servidores vinculados a ela, conforme relatam os trabalhadores — eles são cientificados pelo governo estadual apenas sobre o que foi pago a si próprio, mas trocam informações de maneira informal.

Em tentativas via Lei de Acesso à Informação (LAI) feitas desde março deste ano, a Ponte também não conseguiu obter o detalhamento do gasto, o que tem sido negado pela gestão Tarcísio. Em geral, o governo alega nas respostas que a solicitação exigiria “trabalho adicional de análise”.

O que diz a gestão Tarcísio

A Ponte questionou a Casa Civil sobre a diferença de valores pagos para a PM-SP com o bônus, o que a pasta ignorou, e o acordo feito com o SindSaúde-SP. Em resposta, a assessoria de imprensa do órgão afirmou apenas que mantém diálogo com a entidade. “As reivindicações e solicitações feitas pelo sindicato estão sendo analisadas e aguardam finalização dos estudos de impacto orçamentário.”

Em junho, em meio à série de reportagens sobre o bônus de Tarcísio, a Ponte havia solicitado entrevista com o secretário-chefe da Casa Civil, Arthur Lima, para falar sobre o tema, o que não foi concedido. À época, também pediu uma entrevista com o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, além de uma manifestação por escrito da pasta, mas nunca teve retorno.

Leia a íntegra do que diz a Casa Civil

O Governo de SP, por intermédio da Secretaria da Casa Civil, da Saúde, da Fazenda, de Gestão e Governo Digital e da Procuradoria Geral do Estado, mantém diálogo com representantes do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (SindSaúde-SP) para tratar sobre pautas de interesse coletivo. A última reunião aconteceu em 29/9. As reivindicações e solicitações feitas pelo sindicato estão sendo analisadas e aguardam finalização dos estudos de impacto orçamentário.

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