Por Cleber Lourenço
Em Brasília, o poder nunca dorme — cochila. E quando desperta, ressurge cercado de intrigas, recados cifrados e ambições mal disfarçadas. Nesse cenário, Ciro Nogueira e Ronaldo Caiado competem pelo que restou do bolsonarismo — um espólio sem dono, onde todos se dizem herdeiros, mas ninguém quer dividir a herança.
Ciro circula pelos corredores do Congresso com a confiança de quem já ocupou o centro do tabuleiro e se recusa a admitir que virou peça lateral. Em cada entrevista, ele repete, de forma quase automática, o mesmo mantra: “quem for o candidato da extrema-direita vai precisar de mim”. É uma frase com cheiro de autoconvencimento e gosto de súplica. Em Brasília, comenta-se abertamente que o ex-ministro trabalha para garantir um espaço em qualquer governo que surja do campo conservador — seja como vice, seja como ministro. O importante é permanecer próximo da fonte de poder, ainda que à sombra.
A imprensa, como sempre, entra em cena com um papel previsível: reproduz suas falas com deferência, transformando gestos táticos em grandes movimentos de xadrez. Cada frase de Ciro é tratada como profecia, mesmo que o Progressistas esteja fragmentado e o bolsonarismo o veja com desconfiança. Ainda assim, suas palavras ecoam nas manchetes — não pela força política, mas pela falta de quem as conteste.
Caiado, por outro lado, tenta se equilibrar no mesmo fio de sempre: o do conservador moderado, o gestor eficiente, o homem que promete ordem sem romper com o passado. É o mesmo personagem há décadas — a diferença é que agora tenta vendê-lo como novidade. Em Goiás, exibe pragmatismo administrativo; em Brasília, age como pré-candidato à sucessão presidencial. Seu discurso tenta erguer uma direita racional, mas o alicerce é de conveniência. Fala em equilíbrio, mas se cerca de assessores que ainda respiram o velho radicalismo. Promete diálogo, mas flerta com o moralismo.
Nos bastidores, a leitura é de que 2026 será o último ato de Caiado em busca de um papel nacional. Ele se vê como alternativa ao bolsonarismo desgastado e ao centrão desmoralizado, mas falta-lhe carisma para ocupar o vácuo. Sua postura pragmática é menos estratégia e mais sobrevivência.
Ciro Nogueira e Ronaldo Caiado competem pelo que restou do bolsonarismo
Enquanto Ciro e Caiado duelam pelo espólio, outros personagens testam figurinos. Tarcísio de Freitas transforma São Paulo num laboratório eleitoral, tentando manter viva a imagem de gestor técnico enquanto carrega o DNA bolsonarista. Ratinho Júnior ensaia frases para o público evangélico e empresarial, na esperança de herdar uma fatia do eleitorado de 2022. E Michelle Bolsonaro, sempre convocada como símbolo de pureza e regeneração moral, volta ao centro das conversas políticas — ainda que à sua revelia.
Na última semana, um boato agitou os bastidores: Michelle poderia ser vice de Tarcísio numa eventual chapa em 2026. A hipótese, além de improvável, causou estranhamento porque o próprio ex-presidente teria desautorizado publicamente a esposa a disputar o Planalto, defendendo que ela concentre esforços numa candidatura ao Senado pelo Distrito Federal. Em Brasília, comenta-se que o autor do boato seria o próprio Ciro Nogueira, interessado em testar o humor do bolsonarismo e medir reações dentro do núcleo paulista da direita. A história ganhou força nas redes, serviu de pauta a colunistas e cumpriu seu papel: recolocar mais uma tese de Ciro no centro das conversas, ainda que pela via do rumor.
O bolsonarismo, por sua vez, virou uma marca em liquidação. Cada um tenta salvar o que pode — uns o discurso, outros o público, outros apenas o poder. Mas ninguém encara o desgaste, a fadiga e o vazio que o movimento deixou. E a imprensa, cúmplice por hábito, prefere repetir o enredo do que revelar o bastidor. Fica com a superfície, como se o teatro ainda tivesse algo novo a mostrar.
No fim, tudo se repete. Ciro e Caiado continuam disputando um trono que não existe, amparados por colunas generosas e manchetes previsíveis. Brasília assiste, entediada, à peça que nunca termina — onde os atores mudam de roupa, mas o roteiro é sempre o mesmo: vaidade, cálculo e fingimento.