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Por Gabriel Gomes
Uma nova edição da pesquisa “Dificuldades na carreira das magistradas da Justiça do Trabalho”, divulgada no último mês pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT), retrata as dificuldades das mulheres que trabalham no Judiciário trabalhista. O levantamento é uma continuidade ao primeiro estudo, realizado em 2019. A pesquisa foi coordenada pela ministra Kátia Magalhães Arruda, o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O estudo aponta que 68,2% das juízas do Trabalho já sofreram atitudes discriminatórias no exercício do cargo. 53,9% alegaram terem sido vítimas de microagressões e 39,4% de agressões verbais, sendo os advogados os principais agentes desse tipo de violência. Além disso, 39,4% declararam ter sofrido violência psicológica e 5,3% algum tipo de assédio sexual, apontando os juízes como principais responsáveis pelas agressões.
Diante dos dados, a ministra Kátia Arruda, ressalta a importância da pesquisa para entender os desafios enfrentados pelas magistradas e subsidiar a formulação de novas políticas públicas de atenção às magistradas.
“Precisamos fortalecer o combate à discriminação e promover a igualdade de oportunidades, garantindo um ambiente de trabalho seguro e justo para todas as profissionais”, pontuou. “Superar essas dificuldades permitirá ampliar a presença feminina, não apenas no ingresso como magistradas, mas também na promoção e ocupação de cargos de direção nos tribunais”, completou.
Ministra Kátia Magalhães Arruda, o Tribunal Superior do Trabalho
Um dos dados do levantamento aponta que em relação à autodeclaração de raça/etnia apontam que 79,4% das magistradas da Justiça do Trabalho se declaram como brancas, 12,6%, negras pardas. Apenas 2,1% se declaram negras pretas, 1,9% se identificam como amarelas e 0,4%, indígenas. No levantamento de 2023, eram 79,7% brancas, 15% pardas, 0,1% pretas, 1,3% amarelas e 0,2% indígenas.
(Foto: Reprodução)
Nesta edição, há uma abrangência nacional e a participação expressiva de magistradas de todos os Tribunais Regionais do Trabalho. “Essa nova edição permitiu compreender de maneira articulada os múltiplos fatores que influenciam a carreira das magistradas, destacando tanto avanços institucionais recentes quanto a persistência de desigualdades”, dizem os organizadores.
A pesquisa contou com a participação de 749 respondentes, o que representa 35,5% do universo das magistradas trabalhistas cadastradas na base de dados (2.107). As respostas abrangeram magistradas vinculadas a todos os TRTs do país.
A maioria das magistradas respondentes da Justiça do Trabalho se concentra nas etapas iniciais e intermediárias da carreira: 45% atuam como juízas substitutas e 43,8% como titulares de vara. Apenas
11,2% alcançaram o cargo de desembargadora.
Violência
Sobre a violência, as atitudes discriminatórias aparecem como a ocorrência mais frequente, assinalada por
511 magistradas (68,2%), seguidas pelas microagressões, com 404 respostas (53,9%). A violência psicológica e a agressão verbal registram percentuais próximos — 298 (39,8%) e 295 (39,4%), respectivamente —, enquanto o assédio sexual é indicado por 40 magistradas (5,3%).
68,2% relataram já ter sofrido esse tipo de violência de gênero no ambiente de trabalho. Sobre os agentes de discriminação, o maior percentual é atribuído a advogados, com 32,9%. Em seguida, destacam-se os magistrados, com 18,8%. As partes ou testemunhas do sexo masculino também aparecem de forma relevante, com 15,1%, e os servidores homens representam 8,8% dos casos.
Nos últimos cinco anos, 5,3% das magistradas trabalhistas respondentes relataram ter sofrido assédio sexual no ambiente de trabalho, enquanto 94,7% negaram ter sofrido tal experiência.
Perfil das magistradas
De acordo com a pesquisa, 70,1% das magistradas possuem entre 41 e 60 anos, sendo 37,7% entre 41 e 50 anos, e 32,4% entre 51 e 60 anos. 15,4% declararam ter entre 31 e 40 anos, enquanto 14% estão
acima de 60 anos. Apenas 0,5% têm entre 20 e 30 anos. Em comparação a 2019, a faixa etária compreendida entre 31 e 50 anos representava 70,5% das respondentes.
O estado civil das respondentes é majoritariamente de magistradas casadas (60,7%) e em união estável (12,3%). O número de magistradas separadas ou divorciadas é 15,9%, o de solteiras é 9,6% e o de viúvas é 1,5%. 98,7% são mulheres cisgênero (aquelas que nasceram com sexo biológico feminino e se identificam com o gênero feminino), com apenas 1,2% respondentes que preferiram não informar e 0,1% que se identificam como gênero fluido/não binário (pessoas que não se identificam com um papel ou identidade de gênero).
A pesquisa aponta, ainda, a alta incidência de magistradas nascidas em São Paulo, com 23%, seguidas por
nascidas no Rio Grande do Sul, com 13%, e em Minas Gerais, com 10,5%. Abaixo dos 10% e acima dos 5% estão Bahia, com 7,2%, Rio de Janeiro, com 6,8% e Paraná, com 5,9%. Os números revelam que a maioria das respondentes residia nos estados do Sudeste e Sul antes de ingressar na magistratura, com destaque para São Paulo, que concentra 25,2% do total.
Perfil socioeconômico
Sobre o perfil socioeconômico das magistradas da Justiça do Trabalho, a pesquisa aponta que 94,7% já havia exercido alguma atividade laboral antes de ingressar na magistratura do trabalho, com apenas 5,3% sem experiência profissional remunerada anterior. A maioria das respondentes ingressou na magistratura após terem ocupado postos com remuneração relativamente alta: 61,8% recebiam mais de 5 salários mínimos. Outras mulheres, no percentual de 22,7%, situavam-se na faixa de 3 a 5 salários mínimos, enquanto apenas 15,5% tinham renda entre 1 e 3 salários mínimos.
“Esses dados indicam que o acesso à magistratura tende a ocorrer entre mulheres que já possuíam inserção profissional bem remunerada, sugerindo barreiras socioeconômicas para quem parte de patamares de renda mais baixos”, diz a pesquisa.
A maioria das magistradas da Justiça do Trabalho respondentes, que afirma ter união estável ou estar casada, possui cônjuges com profissões de alto prestígio e estabilidade, sendo a mais frequente a de magistrado(a), em 34,8% dos casos, seguida por profissionais autônomos (23,2%), servidores públicos federais (9,8%) e empresários(as) (8,7%).
Questionadas sobre onde se graduaram em direito, 49,7% das magistradas respondentes disseram ter feito o curso em uma instituição pública e 46,2% em instituições privadas. Ainda, 3,9% disseram que estudaram em instituições privadas com o apoio de políticas públicas de financiamento, e 0,3% em instituições públicas com apoio de políticas de cotas ou ações afirmativas. A maioria (61%) buscou algum tipo de pós-graduação, prevalecendo a especialização (36,8%). O mestrado (17,1%) e o doutorado (4,7%) apresentam taxas menores que a formação lato sensu.
A maioria das respondentes declarou não ter deficiência: são 719 mulheres, o que representa 96% do total. Um reduzido número de magistradas (3,3%) se identificaram como pessoas com deficiência (PcD), enquanto 0,7% preferiram não informar.
Saúde mental
82,4% assinalaram possuir alguma condição relacionada à saúde mental. As mais frequentes condições de saúde que surgiram para as mulheres respondentes após o ingresso na magistratura trabalhista são estresse (58,1%), ansiedade (55,9%), insônia (46,1%) e esgotamento emocional (39,8%).
Com incidência um pouco menor, mas não menos significativa, foram relatadas dor crônica (23,6%), depressão (23,1%) e burnout (18,4%). Em valor inferior ao correspondente a dez por cento, figuram síndrome do pânico (8,5%) e fobia social (6,9%). Assim, apenas 17,6% afirmaram não apresentar nenhuma das condições listadas. Somente 3,1% das respondentes afirmaram que foram diagnosticadas antes do ingresso.
Maternidade
A grande maioria das magistradas respondentes tem filhos ou enteados (80,1%), com predominância das que têm dois filhos (41,1%), seguidas pelas que têm um (24,8%), três (10,5%) e quatro ou mais (3,6%). Cerca de um quinto das respondentes (19,9%) declararam não ter filhos.
Entre as magistradas que responderam possuir filhos ou enteados, prevalece (61,3%) a assunção da maior parte ou da totalidade da responsabilidade, dentre as quais 25,3% se identificam como principais responsáveis e 36% afirmam se encarregar da maioria dos cuidados. Apenas 25% relatam uma divisão igualitária das tarefas.