Por Cleber Lourenço
Na véspera da votação do projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, o setor agro intensifica sua ofensiva para moldar o texto de acordo com seus interesses. A Comissão de Agricultura da Câmara, presidida por Rodolfo Nogueira (PL/MS), apresentou nove emendas que, somadas, buscam tanto aumentar os privilégios fiscais ao agronegócio quanto eliminar a principal medida de compensação proposta pelo governo: a taxação das altas rendas.
As emendas da Comissão de Agricultura
- Emenda 30: obriga bancos a destinar 70% dos recursos de LCA, LCI e LCD para operações ligadas ao agro, setor imobiliário e desenvolvimento. Essa medida restringe a liberdade do sistema financeiro e garante, de forma compulsória, crédito para o agronegócio, fortalecendo grandes produtores que já concentram parte significativa do crédito rural.
- Emenda 31: prevê a atualização anual automática da tabela do IR pelo mesmo índice de correção da LOA. Evita o debate político recorrente sobre defasagem da tabela, mas engessa o orçamento federal ao atrelar a correção a um único parâmetro.
- Emenda 32: considerada a mais polêmica, elimina a tributação das altas rendas (IRPFM) e obriga o Executivo a cortar despesas para manter o equilíbrio fiscal. Essa mudança desmonta o mecanismo de compensação que sustentava a ampliação da faixa de isenção e transfere o peso do ajuste para cortes de gastos sociais.
- Emenda 33: concede isenção do IR para receita bruta da atividade rural até R$ 508 mil anuais, com correção pelo IPCA. Trata-se de uma medida que beneficia diretamente médios e grandes produtores, ampliando brechas já existentes na legislação.
- Emenda 34: amplia a lista de insumos agropecuários com PIS/COFINS zerados, incluindo bioinsumos, inoculantes, substratos e rações. Um típico jabuti: aproveita a tramitação do PL do IR para expandir incentivos ao agro sem relação direta com a pauta da isenção.
- Emenda 35: permite que empresas do mesmo grupo econômico de biocombustíveis transfiram créditos de PIS/COFINS entre si para compensar outros tributos federais. Na prática, favorece grandes conglomerados energéticos, ampliando margem de planejamento tributário.
- Emenda 36: inclui rendimentos de arrendamento rural no conceito de atividade rural para fins tributários. Resolve uma disputa antiga com a Receita Federal e amplia a abrangência da isenção para mais modalidades de receita rural.
- Emenda 37: impede a Receita Federal de questionar créditos de PIS/COFINS antes de sua utilização, reduzindo a fiscalização prévia. A medida fragiliza o controle tributário e pode abrir brechas para fraudes e uso abusivo de créditos fiscais.
- Emenda 38: autoriza usinas e destilarias de biocombustíveis a compensar créditos acumulados de PIS/COFINS com outros tributos. É mais uma medida que amplia privilégios ao setor energético vinculado ao agro.
Essas emendas não surgem isoladas. Elas fazem parte de uma ofensiva articulada da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que inaugura hoje (30) sua nova sede em Brasília, justamente na véspera da votação do projeto de isenção. O evento contará com a presença de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e relator do PL 1.087/2025. Além da isenção do IR, estarão em debate outros itens do chamado “Pacote Tributário”, como o PLP 108/2024 e a MP 1.303/2025, ambos de interesse direto do agro.
Deputado Arthur Lira (PP-AL) – Foto: Agência Câmara
Durante coletiva após o encontro com a FPA, Lira afirmou que o debate sobre a isenção do IR se dará no plenário principalmente em torno das compensações. É justamente nesse ponto que a emenda 32 da Comissão de Agricultura atinge o projeto: ao suprimir a taxação das altas rendas, transfere toda a pressão para cortes de despesas. A declaração de Lira reforça que o núcleo da disputa será sobre quem pagará a conta da ampliação da faixa de isenção: os super ricos ou a população, por meio da redução de políticas públicas.
A escolha da data da inauguração não é acidental. Ao realizar o evento na véspera da votação, a FPA reforça seu poder de pressão e envia recado claro de que pretende pautar diretamente o rumo do projeto. O simbolismo é evidente: enquanto o governo defende a necessidade de tributar os mais ricos para viabilizar a isenção, o agro articula para retirar esse pilar e incluir benefícios próprios no pacote. A movimentação mostra que a disputa não é apenas técnica, mas política e de força dentro do Congresso.
A economista do ICL, Deborah Magagna, avalia que “sem tributação mínima no topo, não sustenta”. Para ela, a alternativa ventilada por opositores — cobrir a renúncia com cortes de gastos — desloca o custo para pastas como educação e saúde e muda o eixo do debate. “Em vez de discutir quem deve compensar, a discussão passa a ser o que cortar. Sem contar que a tentativa de empurrar os cortes para o Executivo também isenta o Parlamento de decidir sobre a compensação onde ela dói, inclusive sobre rendas maiores e benefícios de grupos com forte representação no Congresso. O resultado é duplamente conveniente para quem propõe, pois preserva privilégios dos segmentos que esses parlamentares representam e terceiriza o desgaste político ao governo federal, que aparece como ‘autor do corte’.”
Segundo Magagna, o que se vê é um movimento de quem tem mais poder político e econômico para se blindar. “Há a inserção de jabutis setoriais que preservam seus benefícios e, ao mesmo tempo, a tentativa de empurrar a conta da isenção para cortes em saúde e educação. A compensação, que deveria vir de altas rendas, é deslocada para o orçamento público, o que penaliza, ao fim e ao cabo, a população.
O que está em jogo
A discussão não se limita a números e tabelas do IR. O que se coloca em questão é se um projeto com forte apelo social, voltado a aliviar a carga tributária de milhões de brasileiros de baixa renda, será mantido em sua essência ou transformado em instrumento para ampliar privilégios corporativos. A aprovação das emendas propostas pela Comissão de Agricultura pode enfraquecer a lógica de justiça tributária, esvaziar a compensação fiscal e aprofundar desigualdades históricas no sistema de impostos brasileiro.
Ao mesmo tempo, a postura da FPA e de Arthur Lira evidencia como o agro busca consolidar sua posição como um dos blocos mais influentes do Congresso. A inauguração da nova sede, transformada em ato político, simboliza a tentativa de usar um tema popular — a isenção de imposto para trabalhadores de baixa renda — como palco para consolidar agendas próprias e blindar os super ricos de qualquer contribuição adicional. O risco é que a promessa de alívio real para a maioria da população se transforme em escudo para garantir vantagens a quem já concentra grande parte da riqueza e do poder econômico no país.
“Em paralelo ao texto principal, um pacote de emendas enxerta pautas do agronegócio, que não possuem relação direta com o projeto inicial da isenção. Inseridos no PL do IR, esses itens operam como atalhos para interesses setoriais, sem estimativa de impacto transparente, o que aumenta a a chance de renúncia fiscal fora do radar do debate original. A colcha de retalhos das emendas revela temas desconectados do núcleo, que vão do agro à proposta de ‘pets como dependentes’”, resumiu Deborah Magagna.
“Em muitas emendas tentam manter privilégios no topo, tiram travas, mudam a base de compensação e empurram a vigência. Outras colocam ‘jabutis’ pró-agro, mexendo em PIS/Cofins, biocombustíveis, LCA/LCI e no que conta como atividade rural. Isso desvia o projeto da sua ideia central, a isenção por faixa para quem ganha menos, com a compensação feita por quem ganha mais. Se caírem as compensações, o ajuste vira corte no orçamento, e a responsabilidade vai parar no governo federal, que fica com o ônus e o desgaste”, completou.