A China anunciou que deixará de reivindicar novos benefícios especiais e diferenciados concedidos a países em desenvolvimento na OMC (Organização Mundial do Comércio). A decisão, revelada pelo primeiro-ministro Li Qiang, em Nova York, durante a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), marca uma inflexão importante na postura internacional do país, que há anos vinha sendo alvo de críticas — especialmente dos Estados Unidos — por manter privilégios que, na visão de Washington, já não condizem com seu atual peso econômico.
O gesto foi bem recebido pela diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, que o descreveu como o “ápice de anos de trabalho árduo”. A mudança pode destravar negociações emperradas sobre a reforma do organismo, cuja credibilidade e capacidade de arbitragem têm sido contestadas por seus principais membros.
Embora mantenha formalmente o status de país em desenvolvimento — classificação que ainda vigora na ONU e no FMI (Fundo Monetário Internacional) — a China deixará de buscar benefícios associados a essa designação em futuras negociações comerciais. Isso inclui prazos estendidos para implementar acordos e tratamento preferencial em disputas comerciais.
Porém, em termos práticos, a mudança é limitada, mas politicamente relevante.
Sinal da China à OMC e aos EUA, com impacto no Sul Global
Para analistas, a decisão tem múltiplas camadas. Por um lado, é um aceno à OMC e uma tentativa de se diferenciar dos EUA, cuja contribuição ao sistema multilateral tem sido cada vez mais errática. Por outro, é um movimento diplomático direcionado aos países em desenvolvimento, com os quais a China tem buscado estreitar laços em sua oposição à ordem liderada por Washington.
Pequim retrata o recuo não como uma concessão, mas como um reforço de seu compromisso com o multilateralismo. Em comunicado oficial, o Ministério do Comércio chinês descreveu a medida como parte da Iniciativa Global de Desenvolvimento e da Iniciativa de Governança Global, projetos concebidos para redesenhar a arquitetura internacional sob maior influência chinesa.
Ao mesmo tempo, a renúncia aos privilégios pode ser interpretada como um gesto calculado para melhorar o ambiente de negociação com os EUA.
Donald Trump tem sido um crítico feroz do tratamento conferido à China na OMC, alegando que o país abusa do sistema ao se autodeclarar em desenvolvimento enquanto consolida sua posição como potência industrial e exportadora.
A medida, embora tardia na avaliação de especialistas, é vista como uma tentativa de “salvar reputações” e mostrar que a China ainda aposta no sistema comercial global — mesmo quando confrontada por barreiras tarifárias, desconfiança política e tensões tecnológicas com o Ocidente.
Clima, comércio e contradições
A repercussão do anúncio também extrapola o comércio. A questão do status da China é um ponto sensível nas negociações climáticas. Como país em desenvolvimento, a China não é obrigada a contribuir para o fundo de US$ 100 bilhões anuais destinados a financiar ações contra as mudanças climáticas em países emergentes.
No entanto, como maior emissora de gases de efeito estufa do mundo, essa posição é cada vez mais questionada por países desenvolvidos.
Mesmo com a renúncia aos benefícios comerciais, é improvável que a decisão altere substancialmente o cenário de tensões entre Pequim e Washington. Exportações chinesas seguem em crescimento, e autoridades do país continuam a criticar o que classificam como unilateralismo e protecionismo dos EUA.
Em uma fala recente, o vice-ministro do Comércio, Li Chenggang, condenou as políticas comerciais americanas e alertou para o enfraquecimento do sistema multilateral.