Por Cleber Lourenço
Arthur Lira levou nesta terça-feira (23) aos líderes partidários o resumo do relatório da reforma do Imposto de Renda aprovado na Comissão Especial. O documento, apresentado sem alterações em relação ao texto votado na comissão, contou com aval do Ministério da Fazenda e foi tratado como versão final a ser levada ao plenário da Câmara já na próxima semana. Ao longo da reunião, Lira reforçou que a Casa não irá considerar a proposta elaborada no Senado, destacando que a prioridade é o projeto do Executivo e que a condução política seguirá alinhada ao Palácio do Planalto.
O material entregue aos líderes enfatiza que um dos ajustes centrais foi a retirada da tributação mínima de LCI, LCA e outros títulos incentivados, como aqueles voltados a projetos de infraestrutura. Esses instrumentos são utilizados por bancos como forma de captar recursos direcionados ao crédito imobiliário, ao agronegócio e a empreendimentos de grande porte, mas também se consolidaram nos últimos anos como alternativas de investimento de alta rentabilidade e baixa tributação para grandes fortunas. A permanência dessa isenção foi celebrada por instituições financeiras e investidores, mas reacendeu críticas de que o benefício reforça brechas no sistema e contraria o discurso de justiça fiscal que acompanha a reforma.
Especialistas ouvidos pelo ICL Notícias em junho haviam alertado que o modelo atual favorece um desvio de recursos dos mais ricos para esses papéis, sem que haja contrapartidas reais para a sociedade. Enquanto aplicações em CDBs, por exemplo, pagam alíquotas de IR que variam de 15% a 22,5%, as LCI e LCA oferecem remuneração semelhante sem recolhimento de imposto. Esse diferencial, segundo os analistas, cria um ambiente de desigualdade: os pequenos investidores raramente acessam tais papéis em volume relevante, enquanto grandes aplicadores concentram recursos nesses instrumentos, reduzindo sua participação no financiamento coletivo de políticas públicas.
O risco apontado é que, ao manter a isenção intacta, a reforma consolide um mecanismo de planejamento tributário de elite, permitindo que famílias de alta renda multipliquem seus ganhos sem contribuição proporcional. Críticos argumentam ainda que o benefício não se traduz em maior oferta de crédito para quem mais precisa, uma vez que os bancos direcionam essas captações a segmentos de mercado já atendidos, sem impacto concreto em ampliar o acesso a financiamento habitacional ou rural de pequeno porte. Em outras palavras, trata-se de uma política regressiva: fortalece privilégios, enquanto a arrecadação potencial que poderia reforçar áreas como saúde e educação é renunciada em nome da neutralidade fiscal.
Arthur Lira
O resumo de Lira também trouxe outros pontos relevantes. Entre eles, a correção de uma estimativa de excesso de arrecadação do projeto original do Executivo, calculada em quase R$ 7 bilhões por ano. Segundo o documento, essa distorção foi ajustada no parecer, que prevê elevação do limite da renda beneficiada de R$ 7 mil para R$ 7.350, aproveitando a margem para calibrar o alcance da isenção. Também foi reiterada a garantia de não tributação de lucros e dividendos apurados até dezembro de 2025, ainda que distribuídos somente após essa data, desde que aprovados formalmente até o fim do ano, uma medida que busca afastar insegurança jurídica para empresas e investidores.
Apesar de insistir na narrativa de neutralidade fiscal — não haveria aumento líquido de carga tributária —, a proposta mantém brechas importantes. Fundos estruturados no exterior, fundos de investimento em ações para não residentes e, sobretudo, os Fiagro permanecem fora da base do imposto mínimo. Nos Fiagro, mesmo com a exigência de um número mínimo de cotistas e negociação em mercado regulamentado, não há mecanismos eficazes para evitar concentração das cotas em mãos de poucos investidores. Também não existe limite para as deduções desses rendimentos na base do novo imposto, o que abre caminho para estratégias sofisticadas de planejamento por parte dos muito ricos.
Analistas avaliam que, ao mesmo tempo em que o relatório corrige pontos do projeto original e garante previsibilidade para empresas, a reforma reforça uma lógica de preservação de privilégios. O texto consolida o discurso de equilíbrio fiscal, mas evita enfrentar de forma mais dura mecanismos que concentram renda e reduzem a progressividade do sistema. Para críticos, trata-se de uma escolha política consciente: ao blindar LCI e LCA, o governo e a Câmara sinalizam alinhamento ao mercado, enquanto deixam intocados os instrumentos mais utilizados para reduzir a carga tributária de grandes patrimônios.
O prazo de emendamento será aberto, permitindo a apresentação de sugestões formais pelos parlamentares. No entanto, a sinalização expressa de Lira aos líderes é de que o texto será votado já na próxima quarta-feira, preservando integralmente o núcleo do parecer aprovado na Comissão Especial e mantendo as principais definições que favorecem setores específicos do mercado financeiro.