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PEC da bandidagem ampliou foro para presidentes de partidos após Operação Carbono Oculto

por Ayam Fonseca
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Por Cleber Lourenço

A primeira versão da chamada PEC da bandidagem, relatada em 2021 por Margarete Coelho (PP-PI), tinha foco restrito nas prerrogativas parlamentares. O texto aprovado na comissão especial deixava claro que não alteraria os artigos 102 e 105 da Constituição Federal, preservando o sistema atual de julgamento e foro privilegiado apenas para parlamentares. A relatora chegou a registrar em seu parecer que “optamos por não modificar, ao menos neste momento, a competência do Supremo Tribunal Federal”, mantendo a redação original da Constituição. Dessa forma, não havia previsão de foro para presidentes de partidos na proposta inicial.

Esse quadro mudou em setembro de 2025, quando o relator Cláudio Cajado (PP-BA) apresentou novo substitutivo diretamente ao plenário. No dia 16, a Câmara recebeu o SBT-1, que além de restabelecer dispositivos sobre autorização prévia para processar parlamentares, trouxe também uma novidade significativa: a inclusão dos presidentes nacionais de partidos políticos com representação no Congresso no rol de autoridades julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. A mudança, aparentemente discreta no meio de dezenas de alterações, teve impacto profundo no desenho institucional.

O dispositivo modificou o artigo 102, inciso I, da Constituição, ampliando o alcance do foro especial. Um destaque apresentado pelo partido Novo tentou retirar esse trecho específico, sob o argumento de que estender o foro privilegiado a dirigentes partidários agravava a desigualdade de tratamento entre políticos e cidadãos comuns. No entanto, o destaque foi rejeitado em plenário por ampla maioria: 317 votos contra 156, consolidando a inclusão e dando caráter permanente ao benefício.

A cronologia da tramitação mostra que a iniciativa surgiu logo após a deflagração da Operação Carbono Oculto pela Polícia Federal, investigação de grande repercussão que apura lavagem de dinheiro e uso de aeronaves associadas a grupos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC). As diligências expuseram conexões entre empresários, operadores de transporte aéreo e atingiram figuras políticas de destaque, provocando forte desgaste em partidos do centrão.

PEC da bandidagem foi aprovada pela Câmara nesta terça-feira (16) (Foto: EBC)

É importante ressaltar que, embora as denúncias tenham sido publicadas apenas após a aprovação da PEC, o trabalho de apuração do ICL já estava em curso há mais de um ano. Durante esse período, tanto o senador Ciro Nogueira (PP) quanto Antônio Rueda (União Brasil) foram formalmente contatados pela reportagem para se manifestar sobre as acusações feitas pelo piloto Mauro Caputti, que mencionava suas ligações em depoimentos. Assim, mesmo antes da veiculação das reportagens, os dirigentes sabiam que seus nomes estavam sob escrutínio e que poderiam ser citados publicamente em breve.

No União Brasil, o presidente nacional Antônio Rueda foi citado em depoimento sobre aeronaves vinculadas a empresas suspeitas de operar voos a serviço do crime organizado. Rueda negou qualquer vínculo, divulgou nota de repúdio às acusações e afirmou estar à disposição para colaborar com as autoridades. Apesar das negativas, a apuração segue em andamento e a menção ao seu nome provocou intenso debate nos bastidores de Brasília, com parlamentares avaliando riscos políticos e jurídicos.

No caso do PP, o ex-ministro e senador Ciro Nogueira foi mencionado em relatos sobre suposta entrega de recursos em espécie por operadores ligados ao esquema. Assim que as informações foram levantadas, Nogueira reagiu de forma oficial: enviou ofício ao governo pedindo que a Polícia Federal investigasse as acusações e declarou estar disposto a abrir seus sigilos bancário e fiscal. Sua postura buscou afastar dúvidas sobre sua conduta, mas a vinculação ao noticiário negativo já havia gerado impacto político.

Foro especial da PEC da bandidagem

O foro especial incluído na PEC funciona, na prática, como um escudo adicional em meio a esse cenário. Ao deslocar para o Supremo Tribunal Federal a competência para julgar presidentes de partidos, a medida dificulta o avanço de investigações em instâncias inferiores e centraliza decisões em um tribunal já sobrecarregado. Para críticos, isso amplia a percepção de blindagem das cúpulas partidárias, em especial quando lideranças de grandes siglas já estavam sob questionamento público e cientes de que seriam alvo de revelações jornalísticas.

Além dessa alteração, a PEC da bandidagem manteve o núcleo de medidas de proteção parlamentar: condiciona o andamento de ações penais contra deputados e senadores à autorização prévia do Congresso Nacional, restabelece o voto secreto em deliberações internas e reforça a interpretação de imunidade material em falas e votos. Esses dispositivos foram alvo de críticas de entidades jurídicas e de parte da sociedade civil, que enxergam na proposta uma tentativa de enfraquecer mecanismos de controle e responsabilização.

A líder do PSOL na Câmara que participou das reuniões de líderes que discutiram o tema, reforçou a confluência de interesses no entorno dessa PEC, ao ICL Notícias ela declarou: “é explícito o objetivo de entregar foro privilegiado pra presidentes de partido: proteger políticos acusados de articulação com organização criminosa. Isso é uma escandaloso e Imoral”.

O histórico da PEC revela uma trajetória de expansão do alcance das prerrogativas. De um projeto originalmente limitado a questões internas do Legislativo, a iniciativa passou a proteger também dirigentes partidários. Essa transformação ocorreu justamente no momento em que a Operação Carbono Oculto avançava e quando investigações jornalísticas já haviam colocado sob alerta dirigentes de partidos centrais na engrenagem do Congresso. A coincidência reforça a percepção de que a mudança não foi neutra, mas sim uma resposta direta às pressões e riscos enfrentados pelas cúpulas partidárias.

O debate agora segue para o Senado, onde a proposta será analisada em meio à repercussão pública. Enquanto isso, a blindagem já aprovada na Câmara deixa evidente como investigações sensíveis e ameaças ao status quo político podem acelerar alterações constitucionais que impactam a responsabilização de líderes e a dinâmica de funcionamento das instituições.

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