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Nu em cena, Tarcísio deve abortar voo nacional

por Luis Costa Pinto
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O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, desistiu de abrir a agenda da semana desembarcando em Brasília para tratar do famigerado projeto de anistia aos golpistas. Descobriu-se sem roupa, sem ideias e sem agenda com interlocutores apropriados para surgir como nome providencial da direita falando por todas as falanges dela – da ouriçada extrema direita à sufocada direita liberal – na esteira de sentença de 27 anos e três meses de detenção prolatada pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal em 11 de setembro.

Antes de pegar o voo para a capital da República, na segunda-feira à tarde, Tarcísio sondou três ministros do STF para saber se o receberiam em algum momento em reuniões pessoais. Para sondá-los, usou amigos comuns que mantém com os magistrados. Ouviu respostas que variavam no tom e na determinação, mas em seu âmago diziam a mesma coisa: ninguém deixaria de recebê-lo, até por ser o representante eleito pelo povo de São Paulo. Contudo, que arrumasse um jeito de pedir desculpas pelo discurso desarrazoado e desmedido do 7 de setembro, quando estava na má companhia de Silas Malafaia.

O insucesso da “auditoria de imagem” promovida junto ao Supremo foi o dínamo responsável por Tarcísio de Freitas determinar que a engrenagem de sua assessoria abortasse o voo. Ele já havia protocolado no gabinete de Alexandre de Moraes, a quem chamou de “tirano”, um pedido para visitar o ex-presidente Jair Bolsonaro na prisão domiciliar – no cárcere em que se transformou a casa do condenado, no condomínio Solar de Brasília.

Empoleirados na sede nacional do Partido Liberal e atendendo aos grasnidos cada vez mais dissonantes de Valdemar da Costa Neto, os corvos da extrema direita exigiam do governador paulista justamente o contrário do que haviam recomendado os integrantes do STF fazendo uso de interlocutores.

A corvolândia, ou corvosfera (os neologismos cabem aqui) pedia faca nos dentes, sangue nos olhos e nenhum pé no freio dos discursos e pronunciamentos que Tarcísio faria em Brasília. Daí, o homem que adora se vender como alguém da direita liberal que sabe usar os talheres e o latim na mesa dos grandes debates nacionais, recolheu os flaps e mandou retornarem para o hangar a aeronave que o levaria ao encontro da vida real. Ele simplesmente não sabia o que falar. O roteiro esboçado não expressava mais o que a personagem ficcional – o “bolsonarista civilizado” – deveria representar. É necessário novo brainstorming para os redatores e gestores de crise que o cercam definirem nova versão do script.

O Palácio do Morumbi é uma espécie de Reino de Nárnia onde habita um ogro cuja fantasia de estadista rasgou na avenida Paulista no 7 de setembro passado. É dramático para Tarcísio de Freitas constatar que a sua Nárnia particular não tem a plaquinha de “Tão Tão Distante” de Brasília, como teria se fosse o condado de Shrek.

No Morumbi, a mula que zurra nos ouvidos deformados do ogro é um coletivo de marqueteiros reunidos sob o guarda-chuva do argentino Pablo Nobel (do doidivanas do Milei, carajo!), a soprar-lhe asneiras saídas do “Manual do Perfeito Idiota Extremista”. Se existisse, a autoria indubitável desse manual seria de Steve Bannon, o ideólogo da desequilibrada Doutrina Trump. No PL de Costa Neto e da ala ultrarradical da direita brasileira o redator-chefe dos roteiros boçais é Duda Lima, também signatário das cartas de falta de princípios de Bannon.

Por causa de assessoramento tão destrambelhado, de produtores de palco e de curadores de conteúdo tão deformados pelas redes sociais e pela balela de que o moderno é ser antipolítico, Tarcísio de Freitas ficou nu. O governador de São Paulo está nu, mas ainda está em cena. Recolheu-se às coxias do teatro da política porque os cacos da personagem caíram-lhe mal. Está só no camarim, não recebeu flores e tem sua competência como ator posta em dúvida. Está refletindo se não é melhor, no momento, resignar-se como coadjuvante restrito a atuações estaduais e arquivando momentaneamente o voo nacional.

A máscara de “hábil” caiu do alto do trio elétrico no qual subiu no 7 de setembro do bolsonarismo. Também lhe confiscaram a “bandeira verde” que assegurava livre-trânsito para circular em ambientes onde são traçados os rumos da Alta Política e esboçados os horizontes nacionais. Esse o preço que paga por ter dado apoio às chantagens tarifárias e comerciais ilegais de Donald Trump ao Brasil. Foi naquele momento em que emergiram em avalanche, nas redes sociais, a foto dele com o infame boné do movimento extremista “MAGA”. Dali, escalou para as mancadas em série com declarações esdrúxulas e inapropriadas de descrença no Poder Judiciário e de validação das tentativas de golpes de Estado empreendidas no país nos últimos tempos.

Nu, solitário e chamado à realidade da política pela força inexorável dos fatos e pela necessidade de encarnar um estadista – papel que não tem recursos para fazer caber em seu lenhado e duro chassi de militar formado nas Agulhas Negras, de ex-ministro de Jair Bolsonaro quando se tramou o mais vil golpe de Estado da História republicana porque foi urdido com os golpistas instalados dentro da máquina pública, com o poder nas mãos – Tarcísio Gomes de Freitas está prestes a renunciar ao voo nacional ao qual se cria fadado e pode anunciar em breve que se resignará a ficar em São Paulo.

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