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Por Rodrigo Borges*
Enquanto o Chile começa este 11 de setembro rememorando um golpe que violou sua democracia, o Brasil acorda de ressaca após ouvir, perplexo, um ministro dizer durante 15 horas que os ataques diários do ex-presidente e seus asseclas ao Estado Democrático de Direito não configuram crime.
O dia 11 de setembro tem uma vibração diferente para aqueles que vivem a oeste dos Andes. Foi neste dia que o então comandante das Forças Armadas, general Augusto Pinochet, enviou aviões da Força Aérea para atacar o Palácio de La Moneda, sede do governo Allende.
Esse evento chocante, largamente registrado na época, aconteceu há 52 anos. Mas é essa imagem que as defesas dos réus da trama golpista tentam colar como a única forma possível de derrubar um governo legitimamente eleito. Ou seja, se não houve tropas, tanques e bombardeios na Brasília de 2023, não houve golpe. Nem ao menos tentativa.
Só que desde 1973 (ou de 1964), a forma como líderes autoritários tentam tomar o poder à força mudou. Novas armas foram adicionadas à caixa de ferramentas de quem quer se tornar um ditador: enfraquecimento das instituições, dribles legais e disseminação de desinformação por plataformas digitais.
E, chocantemente, um ministro da Suprema Corte, um alvo potencial da mesma trama golpista, praticamente diz que só se toma poder à moda de 1964 no Brasil, de 1973 no Chile, de 1976 na Argentina e de tantas outras datas pela América Latina.
Em seu interminável e redundante voto, Fux diz que não há provas suficientes para condenar um ser que nunca escondeu seu louvor à ditadura militar (disse ainda que “matou pouco”), à tortura (em suas homenagens a Ulstra) e o seu desrespeito à democracia (quando diz “só saio daqui preso, morto ou com a vitória”).
Enquanto Fux esquece (ou tenta fazer esquecer) que os militares nunca aceitaram ser removidos da política, enquanto até mesmo o governo Lula tentou diminuir memória do 31 de março de 1964, o Chile faz questão de lembrar. Todo ano.
Porque não é apenas sobre poder. É sobre o que decorre dele quando é tomado à força. Quando se fecham os espaços para dizer o contraditório, para enfrentar e protestar. No fim, é sobre a ameaça de se ter vidas e famílias destruídas por prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos. É sobre o risco de silenciar à força as opiniões contrárias, a imprensa, as artes e os adversários políticos.
Este é o céu nublado, prestes a desabar, que pende sobre o país. E, enquanto Fux e os golpistas dizem “Não olhem para cima”, o Chile e nós democratas dizemos: “Ande sempre com um guarda-chuva, porque há sempre previsão de temporal”.
*Jornalista e analista de mídias do ICL